QUE
ALGUMA COISA MUDE! MAS DE RAIZ!
“Aqui, nestas terras do norte, raiz do meu próprio país. Aqui, Entre Douro e Minho, Portugal portucalense. Aqui, pátria antiga, permanecente, onde meu país é mais raiz...”.
De facto, há momentos em que não apetece escrever por escrever, dizer por dizer, proclamando um pensamento que não se sente, como disso têm usado, e abusado, os demagogos profissionais da nossa praça, esses sacristães que perderam o sentido dos gestos e prostituíram a palavra. Às vezes, vale mais descobrir o silêncio do que vir a saber que não há paraíso. E redescobrir que, em nome da autenticidade, não pode haver palavra sem “praxis”, para que possamos viver como pensamos, se ousarmos viver com os teres que temos e o ser que somos.
A tragédia de Castelo de Paiva, esse brutal murro no deserto de convicções que marca a nossa consciência adormecida, fez-nos descobrir a nudez forte da verdade, para além das chitas da fantasia com que nos recobrimos. Afinal o rei colectivo vai nu, isto é, continuamos portugueses bem pequeninos, onde os mais minúsculos de nós todos persistem doentiamente em embebedar-se na mania das grandezas.
Neste chão que resta para a república dos portugueses, e para o sonho de nação, a “interioridade” está, afinal, a pouco mais de 25 quilómetros da capital europeia da cultura, demonstrando como, neste nosso século XXI, continua por cumprir o plano de Fontes Pereira de Melo para a modernização do Portugal Velho pela construção das “acessibilidades”, enquanto os socialistas e sociais-democratas, passíveis de ministerialização, são ridiculamente iguais à inevitável “fusão” de históricos e regeneradores, desses que não percebem que apenas continuam o tal cabralismo que odeia a “santa liberdade”. Apesar dessa política de “imagem” e “sacanagem” que nos droga com o “oásis” dos “bons alunos” e as alucinações da Expo 98 e do Euro 2004, ainda temos traseiros circulatórios apenas propícios para carros de bois.
Estou farto dessas carpideiras que nos pedem o voto, dos que vão dizendo que, com Cavaco, era melhor; que, no tempo do PREC, melhor ainda; ou que, com Salazar, uma maravilha. Todo esse chorrilho de linguagem de justificação e de “guerrazinhas de homenzinhos”. Uma ponte ainda há pouco mais de um mês caiu em Montemor do Mondego, e o episódio, porque não foi afectado pela necessidade da tragédia, continua esquecido no acaso dos “rostos ocultos” do “mistério” da reforma do estado.
Tal como os russos no drama do Kursk, continuamos a não poder cuidar dos vivos e a não poder dar terra aos mortos, com “putines” de verniz democrático a recobrirem o cadáver adiado do concentracionarismo. Apesar do ministério da internet que já fingimos ter, e do ministério da ética republicana, ou da virtude taliban, que ainda nos falta, o aparelhismo do centro estadual, que não sabe onde está o titular de 20% da rede viária nacional, tem 19 técnicos especializados para que se assegure a fiscalização e se promova a conservação de 3500 pontes e similares, num ano que continua a ter apenas menos que duas centenas e meia de dias úteis, com o São Pedro a despejar sobre nós não sei quantos Alquevas por semana, conforme têm clamado ambientalistas sérios. É de bom senso desviar para a profiláctica o que gastamos em tinta cartesiana de terapêuticas verbais, mobilizando os bons discípulos de Edgar Cardoso para além das empresas de consultadoria, das cátedras e dos relatórios da comissão de avaliação das universidades.
Continuamos totalmente incompetentes quanto à “organização do trabalho nacional”, como dizia Ezequiel de Campos, porque, por erro da teoria, não temos capacidade para lidar com o fenómeno político superior, fazendo relacionar mais de três centenas e meia de autarquias locais com os gabinetes do Terreiro do Paço, onde os autarcas se dirigem semanalmente pressionando a cunha ou berrando o desespero da partidarite.
Portugueses antigos, de futuro, os “de antes quebrar que torcer”, que “homens da Corte não podem ser”, provincianos de Portugal, uni-vos! O aparelho de Estado é, ao mesmo tempo, grande demais para as pequenas coisas que os poderes locais podem gerir e pequeno demais para as grandes coisas que nem o telemóvel do Primeiro Ministro pode resolver.
Se “alguma coisa há que mudar”, que se extinga a mentalidade do comunismo burocrático que tanto reside no Terreiro do Paço como em certos autarcas-sombras e que continua a não ser capaz de estabelecer uma boa relação entre os “técnicos” e os “políticos”. Sampaio, Guterres e Coelho somos nós todos, porque, neste domínio, eles são exactamente iguais a Soares, Cavaco e Ferreira do Amaral, tal como estes sucederam a Carmona, Salazar, Duarte Pacheco..
Temos liberdade de imprensa e liberdade de expressão de pensamento. Mas todas as denúncias caem em saco roto, porque a palavra perdeu o sentido. Porque raros pensam como dizem pensar. E muitos cultivam o desenrascanço, o improviso, o “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”.
Descalcetámos as fundações, não reprimimos as clandestinidades areeiras, os branqueamentos dos financiamentos partidários e o tráfego de influências dos patos bravos. Continuamos sem compreender que a verdadeira liberdade assenta na memória do sofrimento. Em vez de preferirmos os arquitectos paisagistas da cenografia dos interiores que expomos aos outros, deveríamos retomar a senda dos engenheiros das coisas firmes. Das que nos sustentam pelos séculos dos séculos, das tais que não se vêem, mas nos dão a fundura de convicções. Esses preceitos dos que sonham os longos prazos dos contratos de geração fazedores das nações, de acordo com o princípio da continuidade histórica das instituições. Dessas que, como a democracia, precisam de ideias de obra, de manifestações de comunhão entre os seus membros e de regras jogo, processuais, que todos devem cumprir, com uma dupla ética, de convicção e de responsabilidade. Tenham vergonha, prostituidores da palavra! Tenham coragem, construtores!. Será que não podemos continuar a visitar as amendoeiras em flor?
“A água brava rompeu as pedras; nessa serena mistura de prados verdes e fria sombra, nessa vegetal, aquícola paisagem, feita de húmus e bruma”.
BEM COMUM DA SEMANA
Contra a
esquerda da intelectualidade “lumpen”!
Saudemos o
facto da secção portuguesa da Amnistia Internacional se ter descartado de um
ex-candidato à presidência da república, porque descobriu que este
publicamente defendeu a pena de morte para algumas pessoas, a propósito de um
episódio turbulento do nosso processo político ocorrido em 28 de Setembro de
1974. Afinal o nosso maoísta de estimação apenas queria “fuzilar os
pides” sem a chatice dos julgamentos do TPI. Melhor: queria incluir, nessa
categoria abstracta, todos os contra-revolucionários confessos ou suspeitos,
isto é, tudo o que cheirasse a direita, a social-fascismo e a capitalismo. Por
outras palavras: todos os adeptos da democracia constitucional pluralista e do
Estado de Direito!
MAL COMUM DA SEMANA
Pela
esquerda enraizadamente res publicana!
As públicas denúncias da geração do Maio 68, com actuais ministros da locomotiva europeia esquecidos que alinharam com o terrorismo, bem como com símbolos da “revolução” que a confundiram com pedofilia, não causaram mossa num país onde os principais fazedores de opinião são todos nostálgicos “rosas” da tradução em calão dessa frustração. Continuo a preferir a outra esquerda, expressa por Baptista Bastos, que, ainda recentemente, invocava proféticas palavras do Professor Oliveira Marques: “Portugal está condenado como nação, porque perdeu valores colectivos que definem um povo, uma sociedade, uma moral, uma política”.