Que Fazer?
Para que Minerva levante voo...
Por José
Adelino Maltez
Depois de um longo e doloroso parto, com imensos gritos de revolta, o monte guterrista deu à luz o pequeno rato do novíssimo governo. Os parteiros de esquerda, comentadores da remodelação, esses que se ilusionaram com o “ir às fuças à direita”, já manifestaram o respectivo desencanto quanto ao “naufrágio do PS”, e raros são os que têm a coragem de elogiar o sentido da mudança e de dar o benefício da dúvida à nova equipa, como muito corajosamente o fez o Professor Sousa Franco. Apetece-me, por intuição, ir, mais uma vez, contra a corrente, invocando a legitimidade de ter sido um dos mais cáusticos denunciantes do simulacro do pretenso novo ciclo, mesmo quando exagerei em certa linguagem crítica face ao meu amigo Guilherme de Oliveira Martins, a quem desejo, muito geracionalmente, as maiores felicidades para o nosso colectivo.
Importa reconhecer que, neste ambiente crepuscular, marcado pelas
sombras de certa crise de regime, onde a caricatura de um presidente Sampaio,
ralhando com os guardas republicanos em Almourol, atingiu as raias do tragicómico,
é a hora de Minerva levantar voo!
Com efeito, o Primeiro-Ministro, assolado pelas “vacas magras”,
tomou a atitude que Marcello Caetano procurava assumir nas vésperas do 25 de
Abril de 1974, concretizando uma remodelação muito parecida com a que o
Presidente do Ministério da I República, António Maria da Silva, levou a
cabo, três meses antes do 28 de Maio de 1926, quando mobilizou para a pasta das
finanças o Professor Armando Marques Guedes. Há até algumas semelhanças
congregacionistas com o último governo da monarquia, a que presidiu António
Teixeira de Sousa, dado que se mantêm as atitudes do José Luciano e do Júlio
de Vilhena.
Mas seria estúpido fazermos um qualquer paralelismo entre o actual
regime português e as degredações políticas dos modelos do 4 e do 5 de
Outubro de 1910 ou do autoritarismo anterior a 1974. Julgo que vamos assistir a
uma experiência inédita na nossa história política e, muito patrioticamente,
qualquer português de boa vontade tem que desejar boa sorte aos homens que vão
correr o risco de contraditar o vaticínio de Jacques Maritain, para quem os
governos mais fracos são precisamente os governos de esquerda com mentalidade
de direita.
Seria bom para Portugal que o Engenheiro Guterres conseguisse esmagar o
fantasma de António Maria da Silva, executando o necessário programa de emergência
da “salvação pública”. Não porque tema um qualquer 28 de Maio, mas
porque considero, com a lucidez do bom senso, que tanto está mal o
situacionismo como o oposicionismo vigentes.
Qualquer observador realista do actual momento político português,
mesmo que seja um observador comprometido com as suas convicções, como o
subscritor destas linhas, não pode deixar de reconhecer que a direita partidária
que temos ainda não está madura para ser alternativa ao guterrismo e ao sampaísmo.
O impasse a que chegámos nada tem a ver com a “pessoa” de António
Guterres e a falta de alternativas só, por acaso, resulta de outras
“pessoas”, chamem-se José Manuel Durão Barroso ou Paulo Portas. Tirar o
António e pôr o Jaime, substituir o José Manuel pelo Pedro ou recuperar o
Manuel é virar o disco e tocar o mesmo. Nem sequer convém a ilusão dos
adeptos das melodias de sempre que, em vez do António e do José Manuel, estão
sempre a ouvir o Mário, o Aníbal e as homílias dominicais de Marcelo,
desencantado pelo facto de já não ser possível um anti-guterres.
Julgo que temos o governo e as oposições que merecemos. Porque os
processos de recrutamento da elite política passam por tão enferrujadas
canalizações partidárias quanto o são os mecanismos de selecção do mérito
nos domínios da chamada sociedade civil. E continuamos na cauda da União
Europeia quanto aos índices de desenvolvimento humano, nomeadamente da corrupção,
conforme o último relatório da ONU.
Respondendo à leninista invocação do “que fazer?”, julgo que
importa enterrar os mortos e cuidar dos vivos. Se este governo lançar os
fantasmas esquerdistas, que o tolheram, para
o caixote de lixo da história, e desimpedir a via, ainda há tempo para que, em
liberdade responsável, os portugueses que somos possam recuperar a esperança e
que as forças políticas da oposição também se regenerem, chamando a
responsabilidades políticas outros homens de boa vontade.
Com o tal José Manuel ou com o tal Paulo, as oposições, em
vez de somarem duas fraquezas, deveriam também caminhar no sentido de uma
reconversão, procurando um qualquer método que às mesmas dê a mais valia do
sonho, em nome de uma certa ideia de Portugal, capaz de viver menos com a
legitimidade carismática e com a legitimidade patrimonialista e mais com uma
legitimidade racional, capaz de mobilizar a razão inteira.
Para tanto importa invocar Minerva e dizer que a razão não
é apenas o cálculo utilitarista dos rácios, onde são hábeis os tecnocratas
que espreitam em todas as épocas de decadência, esses muitos seres de inteligência
intermediária, marcados pela inveja, que se consideram superiores aos actuais
membros do governo. A razão que nos falta é, sobretudo, a razão da emoção,
a racionalidade valorativa de que falava Max Weber, aquele alimento espiritual
que é capaz de dar a uma instituição a respectiva ideia de obra, mobilizando
os membros da mesma, em nome da comunhão em torno das coisas que se amam.
Que venham os arquitectos da esperança, os sonhadores activos, esses
radicais nos objectivos, que querem viver com pensam, sem pensarem em como vão
vivendo, porque acreditam que a política ainda pode rimar com verdade, com
justiça e com fé. Se o actual governo de Gueterres conseguir enterrar os cadáveres
adiados que continuam a procriar imbecilidades e assim cuidar dos vivos, poderá
rever a história e vencer frustração de António Maria da Silva, impedindo
que, depois de um Sinel de Cordes, a dissidência republicana de um qualquer
Francisco da Cunhal Leal, vá, à Lusa-Apenas, procurar um qualquer ditador das
Finanças.
Minerva continua a não
levantar voo ao entardecer e no próprio Ministério da Educação, que devia
ser liminarmente extinto, Guterres, com muita engenheiral tecnocracia, típica
do falhado utilitarismo, continua a procurar nova edição da estafada sebenta
de Veiga Simão, elevando à categoria de secretários de Estado, dois antigos
directores-gerais da máquina da Avenida Cinco de Outubro. Talvez porque leu,
numa edição do “Diário de Notícias”, que certa universidade de província
estava no primeiro lugar do “ranking” das avaliações, montado pelo esquema
mental de um dos grandes militantes da declaração de Bolonha. Assim, o
Primeiro-Ministro, em vez de chamar um novo António Sérgio, preferiu convocar
o Reitor da universidade em causa e o comentador jornalístico desse título de
primeira página. Apenas lhes desejo que sejam melhores que o actual Ministro da
Cultura e da Televisão e menos anedóticos que o Professor José Reis.