O Acaso do Império Soviético

Alguns excertos iniciais:

 

O comunismo, enquanto aquele complexo de ideias e de factos de poder que nasceu com a Revolução russa de Outubro de 1917 e cresceu com o estalinismo, o maoismo e a revolução mundial, recebeu de muitos autores , nos anos de 1989-1990, uma imediatista certidão de óbito que, ora se qualificou como de fim do comunismo(Zibgniew Brzenski) ora como de fim da história (Francis Fukuyama).

Estes qualificativos quase escatológicos nasceram quando ocorreu queda do muro de Berlim ou do muro da vergonha, a ponta de um iceberg que escondia uma mais vasta cortina de ferro que fazia de cada homem uma espécie de espécie de guerra civil, e se pôs um fim simbólico à chamada guerra fria.

Foi de facto no ano de 1989 que os europeus espontaneamente derrubaram, sem ser pela força das armas, a chamada cortina de ferro que dividia uma casa comum que ia do Atlântico aos Urales. Foi então que a Europa se vestiu de esperança e teve a ilusão de voltar a ser uma casa comum pondo fim àquela guerra civil ideológica que a dilacerava.

Vaclav Havel, o intelectual checo que fora um dos principais animadores do movimento dissidente Carta 77, se era preso em 16 de Janeiro de 1989, dez meses depois, já assumia a presideência da então República Checoslovaca, tendo ao seu lado, como Presidente do Parlamento, Alexander Dubcek, o líder da malograda primavera de Praga.

Também na Polónia, depois de dez anos de luta, eis que, em Janeiro de 1989, era legalizado o moviemnto Solidariedade que, depois de vencer as eleições de Junho, já assumia a presidência do Governo, em 24 de Agosto, com o intelectual católico Thadeus Mazowiecki, adepto da política antipolítica e de um regresso aos valores fundamentais

Na Roménia, por seu lado, os acontecimentos precipitavam-se no mês de Dezembro, onde, depois dos acontecimentos de Timisoara, no dia 16, eis que no dia 25, era derrubado, de forma fulminante, o conducator Nicolai Ceausescu, com requintes macabros.

Já na Alemanha, depois da fuga de milhares de cidadãos da RDA para a RFA, através da Hungria, em Setembro, eis que no mês seguinte se davam mudanças nas cúpulas de Berlim Leste (o recém falecido Honecker era substituído por Egon Krenz) e, no dia 9 de Novembro, já caía o muro da vergonha.

Em África foi também em 1989 que assumiu a presidência da República da África do Sul, Frederik De Klerk (15 de Agosto) e que a SWAPO ganhava as aleições na Namíbia (11 de Novembro).

Também na América do Sul sopraram novos ventos. No Paraguai era derubado o ditador mais antigo em exercício, Alfredo Stroessner. No Chile iniciava-se a era pós-Pinochet com a eleição do democrata-cristão Patrício Alwin(em 14 de Dezembro). No Brasil, Collor de Melo era eleito, em 17 de Dezembro, nas primeiras directas desde 1960, enquanto se dava, três dias depois, a invasão do Panamá por tropas norte-americanas.

Por sua vez, na Ásia, para além da retirada do exército do Vietname do Cambodja (29 de Setembro), eis que também sucedia o episódio de Tian an men, entre 22 de Abril e 4 de Junho, com a ocupação da Praça da Paz Celestia por estudantes, numa manifestão que o poder de Pequim, sob a liderança de Deng Xiaoping, vai considerar como contrarevolucionária, com as violentas consequências da aplicação da lei marciual, decretada em 19 de Maio, quatro dias depois de Mikhail Gorbatchov ter visitado Pequim.

 

Las but not least, eis que em 3 de Dezembro de 1989, ocorria a cimeira de Malta, entre Gorbatchov e Bush, onde se concluía o ciclo iniciado em Yalta, em 1945.

Isto é, ruía a velha ordem mundial, estabelecida pelo equilíbrio entre duas superpotências. Mas, se o mundo já não era o que tinha sido e não podia voltar a ser o que se superara, todos ficavam sem saber o que viria a ser. É que, como costuma dizer o Professor Adriano Moreira, da nova Ordem apenas sabemos que acabou a antiga.

Tudo acontecia cerca de três lustros volvidos sobre 1973-1974, quando se deu a publicação do Arquipélago de Gulag, numa altura em que o poder intelectual da esquerda pacifista dominava os mass media ocidentais e tentava ser como os três macacos orientais, que tapam os olhos para não ver, tapam os ouvidos para não ouvir e calam a boca para não falar, sempre que a realidade lhes desfaz os pressupostos teóricos

Mas foi a partir da publicação da obra de Soljenitsine que surgiu o espiritualismo libertacionista vindo do Leste, daqueles que lutando existencialmente contra o pós-totalitarismo comunista e sovietista, também não deixaram de denunciar os erros do ocidente

Daqueles que impropriamente se chamaram dissidentes e que, conforme o estatuto editorial da efémera revista Kontinent, defendiam um idealismo religioso absoluto, ou seja, com uma orientação predominantemente cristã e uma aliança espiritual permanente com aqueles que professam outras religiões; um antitotalitarismo absoluto, ou seja uma luta contra todos os tipos de totalitarismo: marxista, nacionalista ou religioso; um democratismo absoluto, ou seja, o apoio consequente a todas as instituições e tendências democráticas da sociedade contemporânea; uma ausência absoluta de partidarismo.

Contudo, nos cinco anos que se sucederam a 1989, com os golpes e contra-golpes de Moscovo, de 1991 e de 1993, com a queda de Gorbatchov, a implosão do Império Soviético, a ascensão ao Olimpo do Kremlin de Boris Ieltsine e o aparecimento do epifenómeno Vladimir Jirinowski, muita coisa mudou na esperança com que os ocidentais encaravam o futuro da Rússia.

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Copyright © 1998 por José Adelino Maltez. Todos os direitos reservados.
Página revista em: 02-01-1999.