A Licenciatura de Relações Internacionais do ISCSP, enraíza-se num quase secular processo de tratamento científico da política ultramarina portuguesa, processo esse que, a partir da década de cinquenta foi particularmente marcado pelo magistério do Professor Doutor Adriano Moreira num estilo que Gilberto Freyre, muito justamente, qualificou como uma imaginação politicamente científica. De facto, entre o ano lectivo de 1950-1951 e o ano lectivo de 1991-1992, esta Escola, entre o Príncipe Real e a Rua da Junqueira, dita sucessivamente Escola Colonial, Escola Superior Colonial, Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina e Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, apesar de ter variado de objecto, de sítio e de estatuto, conseguiu transformar-se em instituição, por graça de um espírito ou de uma ideia de obra ou de empresa, com a consequente comunhão entre os aderentes ao projecto. Ora, tal idée d'oeuvre teve, sem dúvida, como auctor, o Professor Adriano Moreira, circunstância essa que tanto tornou a escola capaz de resistir às próprias investidas do aparelho de poder como ainda hoje constitui a sua alma mater.

 

Principalmente a partir de 1955-1956, quando lhe foi atribuída responsabilidade na cadeira de Política Ultramarina, numa altura em que a dimensão colonial de Portugal, além de sofrer os desafios da guerra fria se deparava com a emergência do Terceiro Mundo, principalmente a partir da Conferência de Bandung que teve a ilusão de dar voz aos até então povos mudos do mundo.

 

Adriano Moreira, director do Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, desde Fevereiro de 1956, vive, então, intensamente, a experiência de contacto com a Organização das Nações Unidas (foi membro da delegação portuguesa às sessões da Assembleia-Geral dos anos de 1957, 1958 e 1959) e, nestas permanências em Nova Iorque, toma contacto com a mais recente bibliografia norte-americana em matéria de ciência política e de política internacional.

 

Esta sucessão de desafios da realidade e do pensamento, bem como a assunção do interdisciplinar, vão impedir que Adriano Moreira se tenha transformado num dilecto discípulo de uma qualquer corrente de pensamento. Assim, no tratamento científico da política ultramarina, os elemento importados do realismo norte-americano são, desde logo compensados pela procura da metodologia lusotropicalista de Gilberto Freyre. Do mesmo modo, os conceitos operacionais da ciência política norte-americana acabam por europeízar-se, com o recurso à filosofia reflexiva das escolas politológicas francesas.

 

Mas o politólogo nascente não vai ter tempo para aprofundar as novas sendas que lhe são abertas nesse final da década de cinquenta, dado que, entre 3 de Março de 1960 e 4 de Dezembro de 1962, aceita desempenhar funções governamentais, primeiro como subsecretário de Estado da Administração Ultramarina e, depois de 13 de Abril de 1961, como Ministro do Ultramar.

 

Após quase sete trimestres como governante de um Estado de Segurança Nacional que enfrentava uma situação de guerra subversiva, e onde, certamente, teve de lidar com inevitáveis choques entre a moral da responsabilidade e a moral da convicção, eis que Adriano Moreira depressa regressa à docência efectiva e à direcção do Instituto, já então integrado na Universidade Técnica de Lisboa.

 

Depois de uma curta, mas fecundante actuação como homem de Estado, com particulares responsabilidades na definição política do destino de um espaço que hoje se reparte por sete soberanias e que já então tinha fronteira com mais de uma dezena de Estados emergentes, Adriano Moreira vai voltar a mobilizar-se para uma carreira docente de uma escola já plenamente integrada na universidade portuguesa. É a partir de então que atinge as culminâncias da sua dimensão como cientista e logo dá à politologia portuguesa o seu primeiro manual, Ideologias Políticas. Introdução à História das Teorias Políticas. Ano Lectivo de 1963-1964, obra que, aliás, resulta de um aperfeiçoamento de uma edição policopiada do ano lectivo anterior, História das Teorias Políticas e Sociais, (ano lectivo de 1962-1963), Associação Académica do ISCSPU, lições coligidas por César Castro Coelho (onde se incluíam matérias referentes ao apaziguamento ideológico e às doutrinas sobre a estrutura do Estado e sobre as relações entre Estados).

 

O manual em causa, além da equivocidade do nome de baptismo, dado que o título e o subtítulo não permitem uma adequada perspectiva do conteúdo do mesmo, tem também uma data imprecisa de nascimento, tanto pela precedente edição policopiada como pelos posteriores acrescentos: Aditamentos à História das Teorias Políticas e Sociais, coligidas por José Alfredo Vieira Machado, Lisboa Associação Académica do ISCSPU, 1964 (onde se incluem as matérias referentes à relação entre a história das ideologias e a ciência política, aos problemas metodológicos, à problemática das ideologias e aos problemas internacionais) e Problemas do Estado, segundo aditamento, ano lectivo de 1965-1966, Lisboa, Associação Académica do ISCSPU, 1965 (onde se incluem as matérias sobre os elementos do Estado, os fins do Estado e a formação dos grandes sistemas).

 

Com efeito, devem fazer parte integrante do mesmo as seguintes publicações: A Tese do Apaziguamento Ideológico [1963], matéria que constitui uma lição de introdução ao curso de 1962-1963, bem como Sobre as Ideologias Políticas [1964]. Posteriormente, surgem os trabalhos Sistemas Políticos de Conjuntura [1968], Ideologias e Política Internacionais [1968] e Os Fins do Estado [1968].

 

É, na verdade, este conjunto de textos que, pela sua densidade, marcam a introdução da ciência política em Portugal como disciplina intelectual independente, onde a falta de formal e curricular autonomia pedagógica, não significa, contudo, qualquer quebra na autonomia científica.

 

Consolida-se também o método muito próprio do Professor Adriano Moreira, onde os manuais são objecto de prévios ensaios parcelares com que vai experimentando sucessivamente a elaboração de um sistema conceitual original, numa arquitectura cerebral que disciplina o desenvolvimento das matérias. Se, nas sucessivas lições de ciência política, vai semeando aquilo que será a teoria da tridimensionalidade do poder que se afina no manual de 1979, também no domínio da teoria das relações internacionais, o leitmotiv conceitual acabará por ser a chamada lei da complexidade crescente.

 

Neste sentido, as teses dos principais manuais do Professor Adriano Moreira acabam por não se enquadrarem em nenhuma escolha alheia e alguns dos que procuram nele a hipótese de uma corrente até podem considerá-las herméticas.

 

Acresce o próprio estilo literário, onde o português clássico tem a secura da rara adjectivação e uma vertebração abstractizante. A riqueza da informação histórica não o confunde com os modelos historiador. A preciosidade da formação jurídica fazem-no ir além do próprio jurídico. A capacidade de abstracção, se o levam a grandes sínteses filosofantes, nem por isso o remetem para as raias da especulação filosófica. Em suma, transformou-se no típico political scientist, esse tertium genus que, usando a história, a filosofia e o direito, num constante exercício interdisciplinar, vai, no entanto, além do chamado ecletismo metodológico.

 

Há em todas as suas páginas uma dialéctica típica do paradoxo, ou da tragédia, da ciência política, esse permanente confronto entre o legado maquiavélico do humanismo laico - com a consequente concepção realista do poder político - e a herança do humanismo cristão que o levam à procura da teilhardiana lei da complexidade crescente e à tentativa de compreensão do poder dos sem poder. Por outras palavras, o reconhecimento que as revoluções científicas e técnicas desenvolvem os seus efeitos com afastamento da ética, com a inevitável crise de valores, a tal regra que mostra os factos a determinarem a mudança em tempo social acelerado, e os modelos culturais e os conceitos a adoptarem um tempo social demorado.

 

Se, por um lado, há uma consolidada recepção da metodologia norte-americana, essa matriz, como já referimos, tanto é compensada pelo fundo jusnaturalista da formação escolar e da concepção do mundo e da vida do Professor Adriano Moreira, como pela constante inspiração que o mesmo vai beber às produções doutrinárias e às práticas universitárias francesas, principalmente à sistemática dos cursos de Grands Problèmes Politiques Contemporains, de Paul Bastid e Georges Berlia, respectivamente de 1961-1962 e 1962-1963, bem como ao estilo de pensamento de Raymond Aron, em Paix et Guerre entre les Nations [1962].

 

Se em Ideologias Políticas domina sobretudo o institucionalismo francês, com Georges Burdeau, Maurice Duverger, Jean Meynaud e Raymond Aron, aqui e além, coloridos pelas invocações de Morgenthau, Franz Neumann e J. K. Galbraith, eis que, quinze anos depois, em Ciência Política, apesar de continuar viva a influência dos mesmos autores franceses, acrescentada pelas recentes sociologies politiques do mesmo Duverger e do jovem R. G. Schwartzenberg [1977], chegam em força os grandes politólogos do funcionalismo e do sistemismo norte-americano, como Almond, Apter, Dahl, Deutsch, Easton e o próprio Lasswell, apesar de permanecerem as invocações de Aron e Morgenthau.

 

Não falta sequer um curioso exercício sobre a procura do mundialismo político, na senda de Teilhard de Chardin, do humanismo laico do projecto da paz perpétua e da república do género humano da neo-escolástica: Sobre o Estado Universal [1965], registo de uma conferência proferida em 5 de Maio de 1965, onde Teilhard de Chardin é inscrito na galeria dos projectistas da paz, com o rei Jorge da Boémia, Sully, Comenius, Penn e Saint-Pierre.

 

Com efeito, por impulso do Professor Almerindo Lessa, o Instituto realizou dois colóquios internacionais sobre Teilhard de Chardin, em 1964 (sobre a convergência das civilizações e das ciências) e em 1965 (sobre a unidade do género humano).

 

Na mesma senda, saliente-se o artigo A Marcha para a Unidade do Mundo. Internacionalismo e Nacionalismo [1969], onde volta a referir a lei da complexidade crescente, expressa pelas dependências e interdependências crescentes. Uma clara situação em que a unidade passa pelo pluralismo. Um pluralismo obrigado a respeitar a Nação como valor fundamental.

 

Nessa primeira metade da década de sessenta, vemos passar pelo Instituto uma série de conferencistas de renome internacional. Em 1963, professores alemães vêm falar sobre a autonomia da ciência política, a sociologia e o federalismo. No ano seguinte Henri Brugmans, Reitor do Colégio da Europa, vem conferenciar sobre as Trois Étapes de la Civilisation Européenne.

 

É neste ambiente que o processo de consolidação desta politologia portuguesa se completa com a edição do primeiro manual universitário daquilo que era então uma subdisciplina da ciência política: a Política Internacional, editada, primeiro, em versão policopiada, pela mesma Associação Académica do ISCSPU no ano lectivo de 1967-1968, e depois publicada na revista do Instituto. Esta matéria, em 1970, será publicada pela Portucalense Editora, com título homónimo, mas incluindo outros dois textos, Os Fins do Estado e os Sistemas Políticos de Conjuntura.

 

Podemos assim dizer que, em Portugal, a ciência política nasceu da análise da interferência da política internacional na política ultramarina, condensou-se com a problemática da guerra fria e com a emergência do Terceiro Mundo, embrenhando-se nos conceitos operacionais da ciência da estratégia. Isto é, não nasceu da micropolítica, não foi marcada pelos dramas das guerrazinhas de homenzinhos e do fraccionismo em que se enredava a política doméstica, não partiu dos micropoderes para o Poder, sendo sempre desafiada pelo globalismo e atraída pelos fenómenos políticos superiores.

 

Se atentarmos nos próprios manuais de política ultramarina editados na escola pelos que se sucederam na regência da cadeira ao Professor Adriano Moreira, verificaremos a justeza desta observação. Assim João Costa Freitas, em 1964, defende a integração da matéria de política ultramarina na ciência política, entendida à maneira norte-americana, não deixando de invocar os exemplos franceses de Charles Eisenmann e Raymond Aron. Por seu lado, Narana Coissoró, em 1967-1968, altera substancialmente o ritmo das matérias tratadas na cadeira, fazendo uma profunda análise politológica das revoluções atlânticas, principalmente da revolução americana nas suas relações com o direito à autodeterminação e à rebelião, assumindo-se como um dos típicos pensées 68 do universo português.

 

Já o Professor Óscar Soares Barata, num pioneiro estudo sobre O Ensino do ISCSPU e as Novas Aplicações das Ciências Sociais [1965], fazendo um balanço deste período, sublinhava a circunstância da política externa portuguesa sempre ter sido determinada pela política colonial, dado que, para esta poder estabelecer-se, importava um conhecimento e uma reflexão sobre os factores políticos da conjuntura internacional, com a análise das doutrinas e métodos de governo e o estudo das tendências internacionais. Este mesmo professor, invocando Aron, em Paix et Guerre entre les Nations [1962], e a escola realista norte-americana, principalmente Morgenthau, considerava, então, que a política ultramarina necessitava de socorrer-se dos métodos da política internacional, praticando a análise a partir das relações de poder (power politics), o estudo das constantes do comportamento (behavioral methods) e recorrendo àquilo que os mesmos autores consideravam como as técnicas da ciência política.

 

Assim, referia que as técnicas da ciência política, analisando os problemas a partir do elemento poder seriam as seguintes: método dos jogos; estudo dos processos de formulação das decisões (decision making); método da planificação da política externa; método que consiste em ver a cena internacional como Gestalt, um campo de jogo de diferentes forças.

 

O magistério criativo de Adriano Moreira no domínio da ciência política, mesmo que as disciplinas regulamentarmente se chamassem Política Ultramarina e História das Teorias Políticas e Sociais, fez até com que os novos estudos de sociologia, antropologia e estratégia, assumidos pelos jovens assistentes da instituição, com destaque para João Pereira Neto, José Júlio Gonçalves e Óscar Soares Barata, tivessem nascido do sincretismo genético de alguns temas semeados pela cadeira de Política Ultramarina.

 

Do mesmo modo, o Instituto foi viveiro de uma das primeiras sistemáticas operações de investigação de história política onde, para além da edição da primeira grande antologia do pensamento político português, coordenada por Banha de Andrade, há que destacar o labor de Martim de Albuquerque que, também por aqui, edita o pioneiro trabalho O Poder Político no Renascimento Português, ponto de partida para as posteriores obras como A Consciência Nacional Portuguesa [1974], A Sombra de Maquiavel na Ética Tradicional Portuguesa [1974] e Jean Bodin na Península Ibérica [1978].

 

Paralelamente, o Instituto tem um papel também pioneiro na reflexão sobre a problemática europeia. Se não pode esquecer-se o trabalho de João Ameal, A Ideia de Europa, lições proferidas nos anos lectivos de 1965-1966 e 1966-1967, há, sobretudo, que realçar a obra de Adriano Moreira, A Europa em Formação, editada pela primeira vez em 1974, pela Sociedade de Geografia, e que constituiu a dissertação de doutoramento em direito que o mesmo professor apresentou na Universidade Complutense de Madrid.

 

A Europa em Formação ainda hoje constitui uma das poucas peregrinações doutorais portuguesas sobre o fenómeno da integração europeia, tem passado desapercebida aos nossos europeístas post-facto que, certamente, estranham a circunstância de um professor de política ultramarina, que até foi Ministro do Ultramar, se poder dedicar a tal matéria. Esquecem que tanto o Ultramar como a integração europeia foram e são dois aspectos ou duas fronteiras do mesmo movimento da comunidade portuguesa pela sobrevivência política, não tendo sido pólos de qualquer antinomia, como pareceram, nas disputas políticas das décadas de sessenta e setenta. Aliás, Adriano Moreira é o único universitário português participante no movimento cultural pan-europeísta, herdeiro de Coudenhove-Kalergi, tendo sido Presidente do CEDI — Centro Europeu de Informação e Documentação, ao mesmo tempo que tinha actividades de militância cultural na Societé Pierre Teilhard de Chardin, juntamente com o Professor Almerindo Lessa.

 

Sobre esta questão, não nos parece ter toda a razão o Professor Adriano Moreira, quando, em vários textos, salienta conhecer poucos nomes portugueses defensores da integração europeia nos séculos XIX e XX. Basta recordar o nome de António Ennes (1848-1901), o célebre ministro da marinha e do ultramar que também foi comissário régio em Moçambique, autor da célebre frase não há Portugal sem África. Com efeito, este ultramarinista, no ano de 1870, editou um opúsculo de 23 páginas, intitulado A Guerra e a Democracia, Imp. de J.G. de Sousa Neves, em plena guerra franco-prussiana, onde defende a criação de uns Estados Unidos da Europa. É evidente que o faz com as segundas intenções de evitar a absorção de Portugal pelo Estado espanhol, tópico, aliás, desenvolvido pelo posterior federalismo iberista. Aliás, a política colonial portuguesa estava então totalmente dependente da balança da Europa, como será vigorosamente demonstrado pelo acordo germânico-britânico de Agosto de 1898 sobre a partilha das colónias daquilo que Lord Salisbury considerava uma nação moribunda. Não foi também do Ultimatum contra o mapa cor de rosa que nasceram A Portuguesa, o 31 de Janeiro, o 5 de Outubro e a participação portuguesa na Grande Guerra?

 

Contudo, esta consolidada experiência universitária dos anos sessenta vai sofrer, na década seguinte, duas conseguidas tentativas de liquidação por parte do poder político, em alturas que não admitiam a autonomia universitária e a liberdade de cátedra. Com efeito, para a Escola, tanto o intervencionismo pedagógico do consulado de Marcello Caetano, a partir de 1969, através do Ministro José Hermano Saraiva, como a tentativa revolucionária de introdução do freudo-marxismo anticolonialista, tiveram como inspiração subsolos filosóficos e ideologias metodológicas que não admitiam o tal espírito que o Instituto semeara nos anos sessenta.

 

Felizmente, a escola renasceu das cinzas na década de oitenta, mais uma vez a partir da sociedade civil, principalmente por impulso do corpo dos antigos alunos que, com o apoio dos jovens professores da década de sessenta, permitiram o regresso do inspirador e a nova procura dos sinais dos tempos.

 

Quem consultar o relatório de Manuel Braga da Cruz e Manuel de Lucena, publicado em 1985 na Revista de Ciência Política, e o comparar com o actual estado da arte em Portugal, verificará que certas perspectivas pessimistas quanto ao estudo da ciência política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas vieram a ser desmentidas pelos factos. Primeiro, porque a partir dos anos sessenta, a escola não se reduziu aos chamados estudos ultramarinos; segundo porque os trabalhos de ciência política e de relações internacionais talvez não tivessem ficado reduzidos à actividade do Professor Doutor Adriano Moreira.

 

Basta enumerar algumas das dissertações de doutoramento sobre matérias políticas e de relações internacionais. Em 1987, a de António Albuquerque de Sousa Lara sobre A Subversão do Estado. Em 1990, as de Políbio Valente de Almeida, Do Poder do Pequeno Estado, de António Pedro Ribeiro dos Santos, A Imagem do Poder no Constitucionalismo Português, e José Adelino Maltez, Ensaio sobre o Problema do Estado. I. Da Aldeia à República Universal; II. Da Razão de Estado ao Estado Razão. Em 1992, a de António Vasconcelos Saldanha, Vincere Reges et Facere. Dos Tratados como Fundamento do Império dos Portugueses no Oriente. Em 1993, as de António Marques Bessa, Quem Governa? Uma Análise Histórico-Política do Tema da Elite, de Manuel de Almeida Ribeiro, e de João Bettencourt da Câmara, Análise Estrutural Contemporânea. A Emergência de um Modelo. Louis Althusser.

 

O modelo impulsionado a partir dos anos sessenta, onde se retomam as íntimas ligações à Sociedade de Geografia de Lisboa, reforçadas com a criação da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, foi acompanhado por uma intensa formação de novos docentes em varias universidades europeias, nomeadamente em Lovaina, Madrid, Oxford e London School of Economics e Political Science.Ao mesmo tempo, recrutaram-se novos colaboradores tanto em escolas de direito, economia e letras das restantes universidades portuguesas como junto de outras instituições da Administração Pública e da própria Igreja Católica.

 

O ensino das ciências sociais e políticas, aberto às coisas novas, vai, entretanto, sofrer as desditas do estertor do Estado de Segurança Nacional e ser vitimizado pelo processo revolucionário O conceito de sistema aberto que tinha marcado a escola vai também dar um importante contributo ao nascimento do ensino universitário privado, havendo inúmeros docentes da escola que assumem papel fundamental na Universidade Livre e nas entidades que a partir dela forma emergindo, como a Universidade Lusíada, a Universidade Portucalense, a Universidade Internacional, a Universidade Autónoma de Lisboa e a Universidade Moderna. Mesmo a nível do sistema partidário português, há exemplos de destacados dirigentes políticos provindos do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, alguns deles com brilhantes carreiras parlamentares().

 

Avaliação da Licenciatura em Relações Internacionais

 

 

Breve comentário à lista de questões da Comissão Externa de Avaliação da Licenciatura em Relações Internacionais:

 

A Comissão Externa de Avaliação, depois de ler o relatório de auto-avaliação da Licenciatura, apresenta ao Instituto uma série de questões laterais face ao núcleo central do relatório, certamente para obter dados que a permitam centrar-se no efectivo conceito de avaliação, dado que as observações específicas da mesma comissão, por enquanto, apenas dizem respeito a aspectos de pormenor do curriculum da licenciatura, para além de abordarem elementos sobre o Mestrado, que não dizem respeito ao presente processo de avaliação. Isto é, esperamos vir a ser confrontados com as observações na generalidade, a análise do todo, depois de, agora, serem perspectivados os grandes planos das pequenas árvores da mesma floresta.

 

Trata-se de uma posição preliminar, antecedendo a visita à instituição, pelo que a resposta a tais questões constitui mero contributo parcelar para um todo de posições, onde consta a peça inicial do processo, bem como a posição global que a comissão em causa vai tomar, depois de esclarecida com as respostas que forem dadas e com os elementos que resultarem da visita.

Não repetindo o que já consta do relatório, anotaremos o seguinte:

1
Apesar da licenciatura em Relações Internacionais do ISCSP se ter institucionalizado nos anos oitenta, o ensino de tal matéria tem raízes mais fundas, quase centenárias. Desenvolveu-se a partir do tratamento científico da política colonial, ou ultramarina, e atingiu autonomia com o ensino específico da política internacional, da ciência política e da geopolítica, consolidado nos anos sessenta.

2
Assim, o curriculum da licenciatura não se baseou numa teoria transcendendo a prática do ensino da escola. Não foi gerado a partir da análise de uma antologia de curricula comparados. Não se reduziu à tal constituição-pudim de que falava John Adams.

3
Também não foi emitido por um qualquer decreto estadual, baseado na peritagem de uma eventual junta de pensadores de regime, dado que a escola sempre se mostrou rebelde face aos modelos pombalinos e napoleónicos e até se integrou numa universidade de matriz federal. Porque nasceu de uma experiência da sociedade civil, para responder a um desafio da realidade que afectava a própria existência da entidade política portuguesa. Desafio a que a universidade clássica não dava resposta, porque as circunstâncias corriam mais depressa que os conceitos captados pelas enciclopédias do saber oficial ou oficioso, de matriz essencialmente juridicista.

4
Marcada por esta ideia fundacional, a escola sempre foi tentada a assumir um reformismo gradualista, mais baseado nas circunstâncias do que nas iluminações de um centralismo oficiosamente reformador.

5
O curriculum da licenciatura, marcado pelo pioneirismo e pelas angústias dos tempos do fim da guerra fria, reflecte naturalmente as circunstâncias portuguesas. Apesar de tentar adequar-se a um conjunto de princípios que se aproximam mais do modelo anglo-saxónico que do modelo normalien dos franceses, partiu de uma base realista que eram as disponibilidades quanto ao ensino das ciências sociais e políticas, típico daquilo que era uma escola de altos quadros, à semelhança do Kameralismus da velha École Libre des Sciences Politiques/ Insttitute de Sciences Politiques de Paris.

6
Além disso, pretendendo ser uma escola portuguesa, fiel ao velho programa dos portugueses de Quinhentos, sempre procurou nacionalizar as tendências importadas. Isto é, se não quis inventar o que já estava inventado nem descobrir o que já estava descoberto, recorrendo aos estrangeirados, sempre os procurou integrar numa estratégia portuguesa, onde o crescimento tem de ser feito não só para o adiante, em termos quantitativos, mas também para cima e para dentro, em termos qualitativos, conforme o lema teilhardiano.

7
O curriculum, aliás, nunca permaneceu estático. Numa primeira fase, destacou-se do tronco comum, quando introduziu o ensino da teoria das relações internacionais e da ciência política, em vez das anteriores disciplinas de geografia histórica e de sociologia geral. Seguiu-se o desenvolvimento das matérias de relações culturais internacionais. Mais recentemente, criou-se uma nova especialidade voltada para a economia empresarial e para os fenómenos de recepção das consequências da adesão aos modelos da unidade europeia, a nível da sociedade civil, com estágios obrigatórios de fim de licenciatura.

8
Isto é, sempre se praticou um reformismo gradualista e um crescimento a partir das circunstâncias, visando dar resposta aos desafios da realidade, principalmente do emprego. Mas crescendo a partir da base, isto é dos doutores disponíveis, da investigação praticada, do corpo docente gerado maioritariamente a partir da cultura organizacional da escola, de maneira a que a identidade própria da instituição fosse capaz de adequar-se à mudança.

9
A escola quase centenária é uma efectiva instituição, dotada de uma ideia de obra, de regras próprias de processo e contando com uma efectiva adesão dos próprios membros. Vive-se uma comunhão de crenças, acredita-se numa identidade. Isto é, no âmbito de uma universidade, entendida como efectiva universitas scientiarum, procura-se o interdisciplinar e aquela aliança metodológica, que vai além da tradicional disputa entre as chamadas ciências da natureza e as chamadas ciências da cultura. Com efeito, no ISCSP, muito particularmente no campo das relações internacionais, vive-se a procura de uma aliança metodológica meta-departamental.

10
Desenvolvendo este aspecto, diremos que o campo das relações internacionais vive intensamente os dramas e os aliciantes da novidade interdisciplinar, situando-se num terreno de fronteira com os domínios do sociológico, do jurídico, do económico e do histórico. No caso da opção francesa, teríamos um modelo organizacional próximo do estilo das faculdades de letras, onde a dominante historicista ou filosofista repudia matérias como as que são professadas no nosso tronco comum (foi a opção da Universidade Nova de Lisboa). Quando muito, aponta para uma perspectiva juridicista da análise da problemática internacional, através da preponderância das super-estruturas do normativo internacional ou do estatutário das grandes organizações internacionais (é o típico de uma faculdade de direito).

11
Outra pode ser a perspectiva economicista, marcada por escolas onde domina a ideologia do sistema-mundo, seguindo os ditames do relatório Gulbenkian sobre a reestruturação das ciências sociais, coordenado por Immanuel Wallerstein, como aquele que se acolhe à sombra de uma prestigiada universidade portuguesa e que procura mobilizar grandes personalidades mediáticas e políticas portuguesas (foi o que preferiu a Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra).

12
Nenhuma destas é a postura do ISCSP, marcado pela âncora do ensino das ciências sociais e políticas, sem ceder às grandes ideologias epistemológicas e àquelas modas que passam de moda. Aliás, Portugal perderia se desaparecesse a concorrencialidade entre modelos de ensino de relações internacionais, caso se optasse pela uniformização dos curricula, eliminando as diferenças, pelo recurso ao livro único de um modelo pombalista ou napoleónico. Por causa destes apetites do poder é que a nossa escola teve decretos estaduais que lhe estabeleceram o passamento antes e depois de 1974, mas sempre com energias anímicas para um renascimento.

13
A instituição ISCSP, com a tal ideia de obra que lhe dá alma, transformou-se numa criatura que se desenvolve através de uma lógica própria, adaptada às circunstâncias, num modelo de autonomia, com memória e com identidade, que a fez libertar dos próprios criadores, numa instituição centenária que continua a viver e a responder aos desafios que já não são o problema colonial ou as angústias da guerra fria.

14
No caso concreto das relações internacionais, há já um espaço próprio, constituído fundamentalmente pelos próprios licenciados em relações internacionais, atendendo especialmente à respectiva experiência profissional, e pelo próprio corpo docente nascido da licenciatura que, nestes últimos dois anos deu um salto significativo tanto no plano da qualidade como da quantidade.

15
É a partir desta experiência, do núcleo básico de desenvolvimento com autonomia, que a reforma tem de ser desencadeada, a fim de se garantir autonomia na própria área científica das relações internacionais. Isto é, um dos objectivos fundamentais da necessária reforma passa pelo reforço deste núcleo, sem que se exclua o recurso ao sociológico, ao antropológico, ao jurídico e ao económico. É o que tem sido feito. É o que pode ser incrementado. Até porque importa reforçar os case studies e criar núcleos permanentes de análise da conjuntura, como transparece da publicação do conjunto de estudos Conjuntura Internacional de 1996.

16
Entrando agora na análise da especialidade, diremos que:
a) Importa reforçar o recurso ao ensino dos métodos quantitativos e não podem ser eliminadas matérias de matemática e estatística para ciências sociais; bem pelo contrário, urge acrescer essa área pelo recurso ao ensino da informática (na prática, desde o presente ano lectivo que existem aulas práticas de informática aplicada, nomeadamente em ciência política, com o recurso à Internet);
b) Também não seria curial a eliminação de matérias de antropologia, demografia, sociologia da informação, metodologia das ciências sociais e análise de conteúdo, embora tais áreas possam ser adequadas ao perfil do ensino de relações internacionais, nomeadamente pela criação de novas especialidades.

17
Por outras palavras, se não se advoga a rotina, também não se considera útil o lancetamento de um núcleo de matérias tradicionais típicas do tronco comum da escola, dado que cairíamos numa espécie de departamentalização, contrária aos princípios básicos da escola. E que, na prática, isto é, na saída profissional do licenciado, não tem tido maus resultados. Ainda recentemente, os alunos dos ISCSP conquistaram 18 dos 35 lugares em disputa no concurso de acesso à carreira diplomática, onde também não foi estranho o ensino superior de línguas, que devemos manter.

18
O modelo português de ensino das relações internacionais tem a ver com a estrutura e conjuntura do Estado e da Sociedade dos portugueses, no contexto da integração europeia, da globalização e da sociedade civil internacional. Somos um pequeno Estado e não podemos copiar os modelos dos médias e grandes potências. Aliás, se fizermos uma análise comparativa curricular, com entidades políticas próximas da nossa dimensão, encontraremos curiosas coincidências, da Áustria à Irlanda, da Finlândia à Catalunha e de muitas prestigiadas universidades norte-americanas.

19
O estilo das escolas universitárias que não se assumem como escolas de regime e que atendem essencialmente aos nichos de mercado não pode ser igual à das que pensam seguir a perfeição modélica. O Estado e a Sociedade dos portugueses são atípicos e os respectivos desafios só podem ser assumidos pela diferença. E não é por acaso que os modelos curriculares do ensino de relações internacionais nas universidades privadas portuguesas se aproximam da perfeição teórica curricular, mas sem que isso corresponda a saídas profissionais perfeitas.

20
A Sociedade portuguesa, isto é, a vida concreta dos homens concretos, talvez não admita um profissional de relações internacionais idêntico ao que é produzido pelas grandes escolas das médias e grandes potências e das sociedades civis liderantes do processo da globalização. Outras são as circunstâncias portuguesas. Outras terão de ser as respostas curriculares.

21
Tem sido o atípico do modelo do ISCSP uma das razões que permitem a flexibilidade dos alunos formados na instituição. A necessária reforma da licenciatura, sem esquecer os princípios, também deve reconhecer que toda a racionalidade é complexa, que as essências só se realizam na existência e que os princípios só têm sentido quando são capazes de diálogo com as circunstâncias do tempo e do lugar.

22
Daí que a reforma curricular deva incidir, sobretudo, no reforço dos case studies e na permanente análise multidisciplinar da conjuntura, especialmente nas áreas regionais onde há especiais interesses portugueses, da Europa à África, do Oriente à América dita Latina, contribuindo para o reforço de uma perspectiva portuguesa de relações internacionais. Daí a aposta na criação de núcleos permanentes de análise da conjuntura e na promoção de esquemas de investigação aplicada. Logo, a necessidade do reforço das matérias de sociologia, politologia, antropologia e de métodos quantitativos, eventualmente pela formação de um corpo docente próprio que recorra a doutoramentos em centros de excelência internacionais e a protocolos e intercâmbios com universidades estrangeiras, como neste momento acontece com o intercâmbio de discentes e docentes no âmbito do programa Erasmo/ Sócrates e que leva à existência de cerca de uma dezena de estudantes em pós-graduações europeias, base de um futuro recrutamento para docente da escola.

Lisboa, Janeiro de 1998