Campanha do Referendo sobre a Regionalização

 

Tivemos alguma actividade cívica durante a campanha do referendo. Como representantes do Portugal Plural, participámos nalgumas discussões públicas, nomeadamente em Leiria, com o embaixador Ernâni Lopes, em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, com Daniel Proença de Carvalho, e em S. Domingos de Rana, com Miguel Freitas da Costa. Na noite do referendo fomos comentadores dos resultados na Antena 1.

 

Confirmámos ao longo desta campanha que os actos referendários levam a que a discussão política tenda para uma bipolarização entre o preto e o branco, sem admissão de terceiras vias e de vários graus de cinzento. Passa então a dominar um pensamento binário.

 

Quem, sendo contra o modelo de regionalização que estava em discussão, quisesse assumir a defesa do princípio da regionalização, podia ter assumido a defesa do sim ou do não, escolhendo aquilo que considerava a solução menos má. No meu caso, optei claramente pelo sim.

 

Pena foi que o debate se não tivesse transformado numa verdadeira discussão pós-revolucionária. Que não surgisse um verdadeiro debate de cultura política.

 

Ainda nos dividismos em torno dos unitários e dos pluralistas. Como se a unidade não exigisse diversidade. Como se não fosse possível distinguir para unir.

 

Acabaram por dominar os receios do Velho do Restelo. O discurso conservador do que está. O medo da mudança. Quando talvez fosse conveniente abrir as janelas, deixar entrar o ar, mesmo que apanhássemos algumas constipações.

 

Irritaram, sobretudo, alguns dos que se arrogaram em entidades passadoras do certificado de bom patriota.

 

Esqueceram-se quase todos da origem constitucioanal da ideia de Estado Unitário. Veio da Constituição de 1911, quando a proposta subscrita por Barbosa Magalhães e António Maria da Silva venceu a defesa do republicanismo federalista inspirado por Teófilo Braga.

 

Desapareceram quase todas as tradições da direita regionalista. Ninguém lembrou a ideia regionalista de Sidónio Pais. O programa provincial do 28 de Maio. As reformas autonómicas de Hintze Ribeiro e de João Franco.

 

Nos comentários finais ao processo, enunciámos algumas ideias básicas. Que houve uma vitória do situacionismo pós-revolucionário, sufragando-se o modelo do Estado a que chegámos. Este Estado que, segundo Daniel Bell é, ao mesmo tempo, grande demais e pequeno demais.

 

O subconsciente estadualista e soberanista acabou por preponderar. Memória do marquês de Pombal. Do modelo napoleónico. Do jacobinismo. Do salazarismo. Os defensores do pluralismo e dos regimes das autonomias estão em minoria. O modelo da poliarquia custa a ser assumido. Raros são os que podem reinventar no plano interno o princípio da subsidiariedade. Há até alguns que no plano da política europeia são federalistas, mas que, no plano interno advogam uma solução federalista....Compreensível...

 

O povo não quis que se pluralizassem os níveis de decisão. Não quis mais devolução de poderes. Não quis mais criação de poderes.

 

Falou-se no reforço do municipalismo. Mas não se disse que a tradição municipalista nada tinha a ver com a livre eleição dos municípios, coisa que apenas estabelecemos nos últimos vinte e cinco anos.

 

Que falharam quase todas as chamadas reformas estruturais avançadas pelo governo do PS, desde a regionalização à própria mudança da lei eleitoral.

 

Reconhecemos que a vitória na campanha do referendo, consagrou o prestígio de certo quarto poder. Salientámos que os partidos vencedores tem até a dirigi-los antigos jornalistas.