MISSÃO CUMPRIDA



A guerra vai espreitando silenciosamente
e, pé ante pé, medrosos
seguimos pela bolanha lamacenta.
Recordando milheirais da pátria distante,
penso em deus, temo o diabo
e contra os preceitos vou invocando
todos os ídolos que me lembro.

Como verde serpente
vai a morte espreitando negra
o medo que nos amedronta,
vai a morte rondando a vida.
E sempre um silêncio
viscoso e peganhento
que em nossos passos vai pesando.

Súbito rebenta um petardo na picada
E a metralha respondendo fogo
pela bolanha espalha morte ao calha.
Zumbem em meus ouvidos
todos os gritos por dar
todos os nocturnos terrores
como se um foguete estoirasse
dentro de minha cabeça.
Há fogo e fumo sobre o verde
negro negrume
e o sangue metalicamente
por todo o corpo vai fervendo.

Coelho me agacho num buraco
e surdo ao tempo desesperado
já sou animal de guerra. Odeio.
Fugindo à morte, volto ao instinto.
e sobre quem não ser disparo.

Correndo pela bolanha, amedrontados
a perseguir vamos fugindo
e temendo a morte tratamos de matar
fantasmas de baga baga
e sombras de poilão.

É matar, senhores, matar
como se matar fosse viver.
É matar para não morrer,
matar para esquecer
que todos temos de morrer.

Fazei a guerra senhores
sem respeitar as pretensas leis
que à guerra dizem dar paz.
Que não fique ninguém para lembrar.
Ninguém.
Que a própria lembrança
dos que para vive têm de matar
se dilua na embriaguez do medo.
Matai, soldados, matai.
Morrerá quem duvidar da morte.


Corremos para a cubata abandonada.
Silêncio.
Tiramos as facas, avançamos,
um pontapé, a porta rebentada.
Nada.
Apenas restos de vida,
vísceras, sangue, pólvora, nada.
Alô, alô, comando!
Missão cumprida, missão cumprida!
Que venham socorros,
que venha mais guerra.

Copyright © 1992 por José Adelino Maltez. Excerto do livro "Na Raiz do Mais Além".
Todos os direitos reservados. Página revista nesta edição para a Internet, em: 12-12-1998.