PORTAS, FEITIÇOS E PORTEIROS

 

 

 

Alguns amigos leitores estranharam que, ao enfrentar directamente a questão da Moderna nos meus últimos artigos, nada tivesse dito sobre a eventual demissão de Paulo Portas. Acontece que as crónicas em causa não eram totalmente inéditas, dado que repetiam literalmente cerca de noventa por cento de uns textos de revolta que já tinha divulgado na Internet há precisamente três anos... Tinham mais a ver com a estrutura do que conjuntura.

 

Outros avisados conselheiros, pelo contrário, têm-me dito para não pisar um terreno armadilhado, dado não valer a pena ser D. Quixote, neste tempo de cobardia generalizada e de esquecimento do princípio da igualdade, onde prevalecem os tiques de um gerontocrático regime de tias e tiazinhas, mesmo que algumas delas concubinem com activos e passivos da extrema-esquerda.

 

Acontece que tanto não tenho jeito para Sancho Pança, como também prefiro usar a lança da palavra, não contra moinhos de vento, mas contra as vacas sagradas que nos continuam a poluir. Não quero é abdicar daquele supremo direito da cidadania que é a liberdade de expressão, mesmo que continue a ter razão antes do tempo e que sofra alguns incómodos de vingativos salazarentos reciclados pela mentira. Aliás, ainda não vi o PP revoltar-se contra o facto do jornal “The Guardian” o incluir, injustamente, entre os pórceres da “far-right” europeia...

 

Julgo que o padrão comportamental do senhor Ministro de Estado e da Defesa Nacional não passa de mais um desses normais anormais da actual e ex-classe política. Por isso já me enoja o facto de muitos tomarem a nuvem por Juno, transformando Portas Paulo num bode expiatório, quando ele é mais sintoma da doença do que causa da mesma e quando pouco adiantaria demiti-lo ou vê-lo pedir a demissão, segundo a táctica de Pilatos.

 

Aliás, quase todos os especialistas em comunicação política consideram que o objecto laboratorial em causa é um genial fingidor, porque finge tão completamente, que já pensa que é verdade a própria mentira que o sustenta, pelo que a respectiva saída de cena empobreceria a vivacidade do próprio debate político.

 

Assim, a questão não está no facto da mesma personalidade ter um problema de carácter. Quem pode não ter carácter é o sistema político se se admitir a tese expressa por Manuel Dias Loureiro, segundo a qual a única moral admissível na democracia é a das leis...

 

Neste sentido, julgo que seria uma ilusão tirar-se o Dr. Portas da cena, mantendo os bastidores que o sustentam e os autores do guião de que ele é mero executante. Não vale a pena tratar as moscas com insecticida se permanecer, no ambiente, a fonte poluidora de que elas se alimentam e que fazem confundir jesuíticos com mefistofélicos.

 

Apenas me associaria aos que agora reclamam a demissão de Portas se pudessem ser denunciados muitos outros reis que continuam a passear nuzinhos em pêlo diante dos nossos olhos, mas que não conseguimos vislumbrar só porque o revisionismo histórico de tipo estalinista continua vigente em tantos memorialismos e comentarismos.

 

Se o dr. Portas permanecer na sua pose ministerial até pode contribuir para que chegue mais depressa a hora da verdade, quando o povo mesmo povo perceber que, nesta democracia controlada pelas redes da imagem, da sondagem e da sacanagem, a maioria da nação continua a não ter os direitos políticos da cidadania activa.

 

O fenómeno começa cada vez mais a parecer-se com o escândalo do affidavit que marcou os tempos do fim de António Bernardo da Costa Cabral. Também neste caso histórico e histérico tudo nasceu de uma calúnia, mas o crescer da bola de neve foi branqueando zonas adjacentes ao pretexto e, de vitória em vitória, o feiticeiro foi derrotado pelo feitiço que outros porteiros passaram a esgrimir.

 

O histerismo Dr. Portas tem tanta legitimidade para agora ser ministro, como antes não tinha para ser professor universitário ou director de um centro de sondagens. E a culpa está menos nele do que em todas as universidades públicas e privadas que caíram na tentação mediática do fingimento, pintando, como professores, politiqueiros e jornaleiros, assim fazendo descer de nível o conceito de universidade, de professor, de político e de jornalista.

 

Até me lembro da primeira aula de Portas na Moderna ser encomiasticamente saudada no Diário de Notícias, pela pena do jornalista Luís Delgado, onde o actual ministro prometia publicar em breve um original tratado sobre a história das ideias políticas, livrando-se da influência dos que só falavam em Aristóteles...

 

Se quisermos ser sérios nem precisamos de investigar policiescamente outras contratações de outras universidades privadas. Basta que se divulguem as inspecções levadas a cabo pelas estruturas oficiais e onde estão em causa outros ministros, actuais e passados, coisa que, evidentemente, não será feita pelos presentes membros da situação e da oposição, dado que os mesmos preferem o preservativo dos pactos de silêncio e de protecção mútua dessa mentalidade Bloco Central, onde o PP pretende agora entrar, mas cometendo o erro de não ter pedido autorização aos papas da comunicação social dominante, que também nunca gostaram que um ex-subdirector de A Capital acedesse a tal mini-teia berlusconiana.

 

Insista-se: as redes de influência junto do poder não foram um exclusivo da Moderna, dado que o modelo foi praticado por outras universidades públicas e privadas. E os anteriores ministros da educação, do PS e do PSD, sabiam, ou deviam saber, os mostrengos que estavam a ser gerados, pelo que são tão culpados, por omissão, quanto os que, face ao laxismo, ocuparam, pela acção, os vazios de poder existentes na lei da selva.

 

Porque as universidades que, perante o regabofe e a concorrência desleal, quiseram ser sérias foram à falência. Mas, se lermos os relatórios elaborados pelo próprio sistema de avaliação, onde muitos avaliadores avaliaram o que tinham gerado, verificaremos como tudo é uma tragicomédia. A propaganda, o nepotismo e a fabricação de imagem são a triste consequência da pulhitização da Universidade Portuguesa. As demissões de professores com o salazarismo e os saneamentos do PREC são tão graves quanto às elegantes golpadas feitas pela licitude de outros afastamentos, onde foram protagonistas alguns dos que, agora, lamentam, muito hipocritamente, factos onde eles formalmente não participaram, só porque deixaram o trabalho sujo para os respectivos jagunços.

 

Tenhamos juízo, porque, para além da poeira da Moderna, continuam muitos focos infectivos, nomeadamente dos que, pensando no seu próprio ego e epitáfio, fazem e desfazem, psicopaticamente, bonecos universitários, com muitos discursos que falam em honra, ciência, moral e universidade.

 

Talvez importe usar menos o pretérito e estarmos atentos à hipótese de Paulo Portas estar para gerar uma nova Universidade que, segundo consta, terá o nome de uma grande figura da nossa história e o certificado parecerístico de alguém que pensa nunca se ter enganado e nunca ter cometido erros, mas que está na origem de muitas das personalidades que agora estão sob os holofotes da crise. Só faltava que alguns destes protagonistas se enredassem na procura do “totem” de um histórico palácio, para gargalhada da república...

 

Pedimos desculpa por esta interrupção, a suave madailização continua!