Excerto de uma carta enviada a um senhor membro da minha escola e ex-infame que me obrigou a não mais blogar:

 

Misturar a universidade com lutas políticas e ideológicas, para quem, em 1975, foi um dos vinte estudantes formalmente expulsos da Universidade de Coimbra e que mantém relações de amizade e cooperação estreita e académica com as próprias pessoas dos saneadores é passar os limites da honra e impedir-me de continuar a frequentar certos locais, como os da blogosfera. Há uma hierarquia de valores pessoais e institucionais e só pode haver diálogo entre adversários, se existirem lugares comuns.

 

Antes, em 13 de Junho, havia dirigido ao mesmo ilustre infame a seguinte missiva:

 

Não tema que o encontre no bar da Faculdade, não uso cacete. É pena que na mesma lista de que o seu nome faz parte, muito abaixo de si, surja esta luminária:

 

o tal que é marcado pela honestidade intelectual de uma pandilha. Um blogger miguelista que parodiou um texto da Coluna; que não faz o respectivo link, para os leitores poderem confrontar o texto. Chama-se etiqueta, mas talvez o esse senhor ainda não saiba os elementos básicos indispensáveis à comunidade bloggística. Que defende um partido, do qual é um dos pensadores (valha-me Deus). Um partido Regenerador, no qual não haverá idiotas, corruptos, fontes anónimas, conspirações em sótãos, guerrilhas internas, bocas nos jornais, um partido, em suma, que não fará política. Que quer um partido unicamente unipessoal, que nasce do revanchismo saloio, e que pretende, ó justos céus, corrigir os vícios da política portuguesa, começando a disparar sobre todos os órgãos de soberania, e mesmo prometendo um regime «novo» (sabemos qual). Que não faz parte duas ou três pessoas por quem temos estima, mas os outros, meus amigos, são uns direitosos do mais rasca que a direita produziu, liderados por uns intelectuais desocupados e esgroviados. Membro de uma  maralha que não tem ideias: basta ver a paupérrima e vaga declaração de princípios. Estes intelectuais reaças têm: e sabemos muito bem quais são. A principal ideia das luminárias é a de que vivemos numa democracia a fingir, onde toda a gente é de esquerda, porque a direita, para eles, é evidentemente de esquerda. O PNR, ao menos, junta uns nostálgicos a valer, e pelo menos nostálgicos dum senhor que sabia escrever português. Os monteiristas, pelo contrário, são liderados intelectualmente por gente que gostava de ter o talento para a imprecação de um José Agostinho de Macedo, o nosso virulento reaccionário. Mas talento não ronda por aquelas paragens. Sou a tal gente que julga que alguém se impressiona com grossas teses de doutoramento, com citações freneticamente cosidas, e com uma pose minoritária que julga que da minoria (da minoria ínfima) é que vem a razão. Sou a vanguarda direitista, esses grandes inimigos da esquerda que passam a vida a atacar e boicotar a direita, esses «puros», impolutos, essa gente que não suja as mãos, mas que manda piadas, indirectas, sem citar nomes, com uma desonestidade intelectual que bem conhecemos dos seus manuais grotescamente «eruditos». Sr. Prof. Maltez, quando se polemiza citam-se as pessoas com quem se polemiza; o contrário é cobardia. Nada que nós não saibamos. Daí, desse pântano a que provisoriamente chamam o «monteirismo» - até escolherem outro espantalho que vos sirva - já estamos habituados a uma coragem da boca para fora, portuguesinha, «agarrem-me senão bato-lhes». Mas nunca tiveram coragem para dizer o que realmente pensam, nunca tiveram coragem para dizer que querem Portugal fora da União Europeia, pobretes e alegretes, com jaquinzinhos e modinhas minhotas. E depois vêem com um pateta discurso de ressentimento social, de descamisados da treta, remetendo para as ideologias que bem conhecemos. E depois atacam os partidos do governo como indirecta para nós, os bloguistas da direita democrática, como se nós fossêmos paus-mandados deste ou de qualquer outro governo de direita. Leiam os nossos arquivos e o de outros blogs: nunca nos escusamos a criticar este ou qualquer governo de direita, sempre que achamos que procederam mal. Por isso, bocas ao PSD e ao PP devem ser endereçadas aos respectivos partidos. Os senhores pensam que nós não conhecemos a maralha que agora, provisoriamente, aderiu ao «monteirismo», que nunca jantámos à mesma mesa, que não sabemos o que acham deste regime, que não conhecemos os retratos que têm em casa, ou os líderes estrangeiros que veneram. Aqui na Coluna Infame repudiamos totalmente essa pseudo-vanguarda ignóbil, casca-grossa, que representa tudo o que de pior tem a direita em Portugal. Felizmente, o eleitorado não é parvo, e saberá dar-vos as décimas que merecem, e que depois regressem às vossas bibliotecas integralistas, poeirentas e com bustos, vociferando, à frente da mulher-a-dias, contra esta Pátria ingrata que não vos merece. E depois, bem sabemos, escreverão o livro imortal, colossal, que vai varrer com este gente toda, direitistas sem complexos nem taras autoritárias e toda a esquerda comedora de criancinhas. Trememos perante tal apocalipse. PL / PM

 

Acrescento a carta pessoal que enviei a "Complot" em 6 de Junho:

 

Com o pedido de carta pessoal. Acabei de ler o seu blogue. Dou-lhe a minha palavra de honra que foi aí que obtive a notícia do sucedido. Quem é novo na blogosfera e muito velho noutras coisas, gosta da polémica, não teme, mas não sabe como responder a insinuações. Não conheço quem possa ser o tal rapaz. Não é, de maneira nenhuma, meu familiar, como já foi insinuado. Não  preciso de mandantes, assino e dou a cara. Garanto-lhe que se,  eventualmente, sou amigo do pai do tal rapaz, sou, de certeza, bem mais  amigo e de há muitos anos, do pai do Pedro Mexia, do tio do Pedro Mexia e  de mais familiares do Pedro Mexia, com quem tenho relações literárias,  científicas e amigas. Agradeço que não misture certas coisa que não podem ser misturadas. O Pedro Mexia não tinha o direito a mentir e não me parece   que, apesar das qualidades, possa ter abuso de poder quanto às suas   qualidades. Se me tivessem convidado teria muito prazer numa discussão  directa, mas não a façam nas minhas costas, com insinuações de comadres no lavadouro. Ataco ideias, não ataco pessoas e tenho o direito a usar a   palavra, com dureza, mas sem insultos, mesmo quando respondo a insultos.

 

Os senhores PM e PL, abusando da natural posição dominante, em vez de apenas utilizarem a palavra na luta de ideias e na polémica rija, não tiveram a coragem de desfazer a mentira. Antes pelo contrário. Felizes por serem papas da blogosfera, muito inquisitorialmente, juntaram-se aos irmãos-inimigos e subscreveram as pérolas de um tal JMS de um tal BE, com quem apareceram de mãos dadas em grandes decalarações para a imprensa de papel:

Para os menos lembrados, recordo que a violência da resposta "infame" às provocaçãos "patuleicas" se centrou no facto do Sr. Maltez ter revelado o conteúdo de e-mails privados, que ainda por cima não lhe eram dirigidos....

Tudo começou com as picardias entre a Coluna Infame e um tal de Maltez, representante caceteiro de uma direita ultra-montana e pronta a recuperar a velha tradição das bengaladas à tardinha, no Chiado...

 

Um blogueiro questionou-me: "fim, porquê?". Respondi:

 

Há um pequeno nada chamado honra que, na hierarquia dos valores, rima com
autenticidade e move quem serve, em vez de servir-se....
 

A outro, retorqui:

 Não existo por causa deles, mas por causa de nós e a honra é o primeiro dos
valores. Obrigado, mas decisão é decisão e não cálculo politiqueiro.

 

A uma amiga, acrescentei:

 

Há dias de voltar para dentro, de sofrer por dentro, longe dos outros, longe do mundo. Dias em que apetece fazer "delete" e desligar. E desliguei muita coisa. Logo à tarde irei procurar o meu amigo mar, diante de um local onde se semeou esperança. Na solidão de sobreviver, procurando lutar para continuar a viver.

 

Mais disse:

Julgo que a política não merece este desperdício. E não gosto de alinhar em rebanhos.

Detesto o colectivismo moral, de não ser eu, mas parte de um grupelho, sujeito ao mesmo adjectivo.

Comigo não contem.
 

Para meditação de todos os universitários, aqui recordo um escrito meu sobre um colaborador falecido, precisamente um dos meus objectivos saneadores de 1975:

 

O Doutor Luís Sá e o autor destas linhas, tinham a idade da Europa. Ambos despertáramos  para os compromissos das lutas cívicas, numa altura em que as escolas universitárias portuguesas explodiam por efeitos dos Maios de 68, e dos contra-Maios de 68, quando todos tínhamos de sujar as mãos nas opções provocadas por uma guerra longínqua e, afinal, tão dentro de nós, pelo maniqueísmo brutal do sim e do não. Já não éramos a tal geração traída  de outros tempos de vésperas, porque todos tínhamos consciência que vivíamos os tempos de um certo fim. E foi em cima deste vulcão de emoções que nos chegou a aprendizagem universitária das aventuras da razão, enredados que estávamos naquelas paixões que nos lançavam para o nevoeiro do lume da profecia.  Os tempos amadureceram, os homens seguiram o seu curso e as circunstâncias modificaram-se radicalmente. Se uns continuaram a fingir acreditar nas teses do processo histórico, segundo as quais a história é que faz o homem, e outros, negando o determinismo, proclamaram o preciso contrário, de ser o homem a fazer a história, tu, talvez tenhas acabado por fazer parte daquele grupo que conclui, à maneira tocquevilliana, que, afinal, é o homem que faz a história, mas sem saber que história vai fazendo... Foi alguns tempos depois do ano 1989 que um destacado político profissional, já mediaticamente consagrado, teve a humildade de voltar a aprender o aprender, inscrevendo-se num mestrado de ciência política, para voltar a nascer de novo. E, com beneditina expiração e muita inspiração, foi fazendo justiça a si mesmo, respondendo ao apelo de uma vocação interior, concluindo um brilhante mestrado (O Lugar da Assembleia da República no Sistema Político, obra publicada em 1994) e fazendo, em seguida, um magnífico doutoramento (Estado, Administração Pública e Comunidade Europeia, com a primeira parte publicada em 1997). Há poucos dias, um pouco de nós morreu com ele. Porque o Luís, o meu irmão Luís, não quis dizer não à vida que sofria, sobrevivendo.  O meu irmão Luís sempre quis dizer sim, inteiro, continuando a procura. Sempre assumiu que viver é optar por valores. Não, não quero chorar-te, dizer-te as mesmas palavras que muitos dizem de todos os mortos. Prefiro citar o que, na nota prévia da tua dissertação doutoral, disseste de tua Mãe e de tua mátria. Porque também todos nós te devemos o exemplo de coragem, de paixão pela vida. Porque todos nós temos de concluir que as qualidades e a riqueza humana e moral e a abertura de espírito na procura do conhecimento podem transcender outras diferenças. Porque há luta com alegria, quem espalhe o amor à sua volta, coragem no sofrimento e paixão pela vida. Tive a honra de ser o teu  formal orientador das dissertações de mestrado e doutoramento. Mas, confesso, que acabei por viver o desafio de ambos sermos discípulos das mesmas angústias e das mesmas procuras. Contudo, observando a tua aventura universitária, foi-me dado reparar na estreiteza mental de certo Portugal dos pequeninos, com a mania de poder controlar o germinar das ideias, desse Portugalório dos que não conseguem ultrapassar uma restrita visão partidocrática do processo político nem superar o paroquialismo das pequenas guerrazinhas de homenzinhos com o seu tribalismo. E tu, mal com certos homens por amor de certas ideias, e mal com algumas ideias por fidelidade a alguns valores, acabaste por sofrer uma profunda injustiça institucional que, por tua memória, continuará publicamente calada. Porque, sabendo tudo, tudo calaste, honradamente. E prezando o teu exemplo de autenticidade, também me calarei. Com efeito, alguns caçadores de pequenos escândalos, e outros que ainda fazem da política a luta entre o amigo e o inimigo, não notaram que o Luís Sá, quando tratou de voltar ao seio da casa comum da inteligência portuguesa, a universidade, ousou procurar a ciência, esse esforço racional e consciente que visa superar a opinião pelo conhecimento,  e foi capaz de praticar essa essência da democracia que, conforme os ensinamentos de Ortega y Gasset, passa sobretudo por um diálogo com o adversário.  Talvez não tenha sido por acaso que o ortodoxo autor da Introdução à Teoria do Estado, de 1976, bateu às portas de uma escola de ciências sociais e políticas que não primava pelas cedências às vulgatas marxistas e que  ele até tinha publicamente criticado na obra citada. Aliás, numa das aulas de mestrado, um seu professor, por acaso o autor destas linhas, fazendo uma impiedosa crítica aos modelos do totalitarismo soviético, com alguma vontade de provocação maiêutica face ao então aluno e, depois, colega, acabou por aprender dele que o sentido da verdade e da auto-crítica não eram exclusivos de nenhuma concepção do mundo e da vida. E pouco tempo depois, quando o mesmo professor tratou de publicar uma obra frontalmente adversa ao modelo do imperial-comunismo, foi graças ao mesmo aluno que pôde obter uma gravura para a capa proveniente da Editorial Avante. Como o próprio Luís Sá chegou a escrever na citada nota prévia à dissertação de doutoramento, a intervenção em quadrantes políticos diferentes  nunca impediu o diálogo enriquecedor nem, sobretudo, a amizade. Nesta hora da tua morte, quando ainda pesam, na mesquinhez de alguns, os rótulos dos ismos e dessa visão da política como a continuação da guerra civil por outros meios, mesmo os que agora te elogiam postumamente esquecem que, para além dos papéis sociais que representaste, incluindo o partido a que foste sempre fiel, havia uma pessoa na procura da verdade. Ficou, infelizmente, um professor por cumprir, mas as sementes que deixaste nos teus colegas e, sobretudo, nos teus alunos, bem como as palavras contidas, sofridas e pensadas das tuas capelas imperfeitas hão-de germinar em sonho. Um pouco de todos nós vai saber viver contigo. Para sempre."

 

Blogue IV República:
  17-06-2003 19:46:00

Não é uma boa notícia o desaparecimento dos blogs do Professor José Adelino Maltez. O ódio que o sistema lhe nutre é garantia de utilidade e de independencia. Qualquer IV República merece o seu contributo. Esperamos que se arrependa e que volte depressa.