Quinta-feira, Maio 22, 2003

O normal é haver anormais

Em Portugal, o normal é haver anormais e a explosão de acontecimentos que nos vai envolvendo, quase não deixa respirar a mera capacidade analítica. Só o blog, ao sabor da tecla, permite a breve aproximação dos princípios às circunstâncias.

A bomba Pedroso para quem não leu o processo, das investigações do poder judicial às investigações jornalísticas de Felícia Cabrita, deixa-nos estupefacto, face aos contornos de um caso que pode constituir o principal revelador deste "reino cadaveroso". Aguardemos as próximas cenas, isto é, as próximas detenções para interrogatório, a fim de não gastarmos nosso latim com os "entretantos". Porque só podemos pensar quando tivermos espaço para os "finalmente".

De qualquer maneira, podemos estar nas vésperas de um terramoto semelhante à "operação mãos limpas" bem "à portuguesa", onde, pedra a pedra, se desmontem certas estátuas que chafurdam, não no barro, não na lama, mas num lodaçal de viscerais intimidades.

 


 

Ambiente de fim de regime

Recordemos que as grandes mudanças de regime em Portugal nunca foram marcadas pela efusão de sangue.

1820, 1836, 1842, 1851, 1910, 1926 e 1974, esses marcos da mudança política, quase não causaram mortos.

Apenas foram uma espécie de emissão de um certificado de "cadaverosidade" do regime derrubado, já que ele, um quarto de hora antes de morrer, já estava morto, porque interiormente apodrecido.

Por isso é que eu gostava mesmo de saber as causas do "tabu" de Cavaco Silva e as efectivas razões, nunca declaradas, que levaram Guterres a largar o poder. Qualquer um destes nossos Primeiros-Ministros devia saber bem mais do que se pode provar numa investigação judicial ou numa investigação jornalística, dado terem acesso, não às diversões das secretas lusitanas, mas a algumas fugas de informação de certas estrangeiras...

 


 

A mais grave crise institucional desde 1974

Como jurista que também sou. Como professor da Faculdade de Direito que também sou, sinto-me bem próximo do povo anónimo, também ele perplexo. Também eu só sei que nada sei, balouçando ao sabor das intervenções mediáticas de políticos que muito respeito, como o António Costa, de um Procurador da República, em quem tenho o dever institucional de confiar, ou de um Presidente da Assembleia da República, com quem frontalmente discordo na atitude de lavar as mãos como Pilatos.

Apenas aconselharia os senhores magistrados a cuidar da palavra e da imagem. Se caem na tentação da vertigem mediática, teremos que recordar que, na primitiva democracia ateniense, os magistrados eram eleitos directamente pelo povo.

Sejam quais forem os desenvolvimentos destes meandros, julgo que estamos a viver a mais grave crise institucional desde 1974. Porque se trata de uma crise politicamente supra-política, uma autêntica crise moral que tem a ver com o fundamento da própria comunidade, dado que está em causa a "confiança pública".

 

 

# posted by J. A. : 11:57 PM