Contra o abuso do poder
Todas as coisas se gastam pelo uso e se prostituem pelo abuso. Assim, tal como o abuso do direito já não é direito, também o abuso do poder não pode ser configurado como exercício legíitimo do poder. A não ser que consideremos que o poder não está vinculado a um fim, do qual derivam as consequentes limitações do mesmo.
A própria soberania, entendida como o uso do poder em momentos de excepção, não deixa de estar limitada pelo direito e pela moral.
Porque o poder tem o fundamento no direito e as consequentes limitações jurídicas.
Aliás, como salienta Karl Popper ?o problema fundamental da teoria do Estado é o problema da moderação do poder político da arbitrariedade e do abuso do poder através de instituições pelas quais o poder é distribuído e controlado?.

 


 

Ser liberal, ontem, hoje e sempre
Um liberal, ontem, hoje e sempre, é aquele que quer opor barreiras à tendência natural que o poder tem para se concentrar.

É aquele que teme pela circunstância do aparelho de Estado ser grande demais, a nível doméstico, clamando pela desconcentração, pela descentralizado e, às vezes, pela regionalização.

Logo, o liberal é o primeiro a reclamar uma efectiva separação de poderes, para que o poder trave o poder, para que, aos aceleradores inevitáveis da lógica concentracionária, se oponham os travões do Estado de Direito.

Contudo, o liberal não deixa de conceber o Estado como uma parcela daquilo a que os clássicos chamam sociedade civil, enquanto sociedade dos cidadãos, enquanto sinónimo de sociedade política, esse círculo maior onde o Estado é apenas um dos círculos menores que a integram.

Porque se o Estado está acima do cidadão e o Homem acima do Estado, a sociedade dos cidadãos, enquanto comunidade política, é bem maior que o Estado, enquanto aparelho de poder.

Ai do liberal que caia no vício do situacionismo, que perca esse inconformismo clássico de quem deve continuar saudoso da república romana ou dos foros medievais.

 


 

Contra a tirania democrática
Por isso é que o liberal prefere a igualdade à liberdade, onde a igualdade não é igualitarismo, mas antes o sinónimo de justiça, de tratar desigualmente o desigual.

Por outras palavras, e invocando Alexis de Tocqueville, o liberal não confunde a democracia com a tirania dita democrática.

Para um liberal, o poder tem que ser um poder político, tem que existir no seio da sociedade, nunca pode ser alguma coisa de exterior à sociedade e que a oprima.

O poder não pode ser exterior ao corpo social, actuando sobre ele e obrigando-o a marchar num determinado sentido.

O poder tem que estar no interior da sociedade civil, tem que circular na sociedade civil, no seio do povo que exprime a sua liberdade através do sufrágio universal.

 


 

A república é maior que o principado. A comunidade política é superior ao aparelho de poder. Logo, para um liberal, a verdadeira democracia é uma democracia social, o governo da sociedade civil, o processo pelo qual a liberdade emerge da igualdade social e contribui para manter essa igualdade.

 


 

Neste sentido, a igualdade é superior à liberdade, porque a vantagem da democracia não é, como se diz, favorecer a prosperidade de todos, mas apenas servir para o bem-estar do maior número, o que se consegue produzindo a igualdade social, através da difusão da propriedade por uma classe média cada vez maior.

 


 

O regime misto
Um liberal que se enraíze na tradição ocidental sabe que este modelo de balança do poder começou por identificar-se com o regime misto, conforme Políbio qualificou o ssitema de equilíbrio de poderes da República Romana, teorizado por Cícero e, depois, assumido por S. Tomás de Aquino.

 


 

Montesquieu: separação e equilíbrio
É nesta base que assenta a teoria da divisão de poderes de Montesquieu, marcada tanto por uma ideia de separação como por uma ideia de equilíbrio, através do sistema dito de "checks and balance", um sistema de pesos e contrapesos.

Daí que tenha visionado dois poderes, uma função e três forças sociais (o rei, a câmara aristocrática e a câmara popular).

O poder legislativo seria exercido por dois corpos (dos nobres e do povo).

O executivo teria direito de veto sobre o legislativo.

Para que o poder devesse travar o poder.

Aliás, no interior de cada poder, para além de uma faculdade de estatuer, o direito de ordenar ou de corrigir aquilo que foi ordenado por outro, existiria a faculdade de vetar, o direito de tornar nula uma resolução tomada por outro poder.

O chamado poder judicial não era visto como um verdadeiro poder, mas antes como uma função.

 


 

Já o nosso António de Sousa de Macedo (1606-1682) dizia que um Estado não é outra cousa, senão "a sociedade de muitos homens debaixo da autoridade de um rei (que é a Monarquia) ou de principais ( que é a Aristocratia), ou de toda a multidão (que é a Democratia). Esta sociedade está fundada sobre a União, a União sobre a Obediência, a Obediência sobre as Leis, as Leis sobre a Justiça, pelo que tirada a Justiça caem as Leis, caídas as Leis falta a Obediência, faltando a Obediência se destrói a União, destruída a União, acaba-se a Sociedade, levantam-se inimizades, sedições e contendas".

 


 

E António Ribeiro dos Santos (1745-1818), acrescentava: "em um governo que não é despótico, a vontade do Rei deve ser a vontade da Lei. Tudo o mais é arbitrário; e do arbítrio nasce logo necessariamente o despotismo (...) O Príncipe e a lei devem mandar uma mesma cousa, porque o throno e as leis têm a mesma origem, e dirigem-se a um mesmo fim".



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Posted by J. A. to
Pela Santa Liberdade! at 6/3/2003 10:44:57 PM