Contra o manual de boas maneiras do "smart set"
Qualquer "bem-pensante" da actualidade que pretenda fazer "curriculum" para colaborador de jornais e semanários políticos, ou para ministro, secretário de Estado ou deputado, se quiser seguir as vias convenientes da não-esquerda, deve ter todo o cuidado em não afectar as "vacas sagradas" dos complexos de esquerda e dos fantasmas de direita, utilizando "charmosos" adjectivos para poder situar-se no "centrão" sistémico, de acordo com o manual de boas maneiras dos gladiadores da classe A do nosso "smart set".
Caso tenha a ousadia de invocar nomes como os de António Sardinha, cuja "biblioteca poeirenta" está justamente instalada na Universidade Católica, corre o risco de virar defensor da "moca da terra do ministro Marques Mendes", adepto da "ditadura à moda do Minho", bastardo de José Agostinho de Macedo e outras efabulações do género cunhalista, ao ritmo dos textos de humorismo histórico do grande "entertainer" Herman José.

 


 

O fim do Portugal legítimo do "senão, não"
Em nome da informação básica, talvez seja justo recordar que um dos chefes dos "talassas", Paiva Couceiro, foi exilado pelo salazarismo logo em 1937, depois de criticar publicamente a política colonial. Numa carta datada de 22 de Outubro do mesmo ano é frontal: "Cantam-se loas às glórias governativas e ninguém pode dizer o contrário. O Portugal legítimo do "senão, não" foi substituído por um Portugal artificial, espécie de títere, de que o Governo puxa os cordelinhos. Vela a Polícia e o lápis da censura. Incapacitados uns por esse regime de proibições, entretidos outros com a digestão que não lhes deixa atender ao que se passa, e jaz a Pátria portuguesa em estado de catalepsia colectiva. Está em perigo a integridade nacional. é isto que venho lembrar"

 


 

O método geométrico, coercitivo e glaciar
Já em 1935, Afonso Lopes Vieira escreveu, em "Éclogas de Agora", que Salazar e o regime cometeram "o monstruoso erro psicológico de quererem governar este povo com... método geométrico, coercitivo e glaciar", levando a "uma rotura no parentesco dos portugueses".

 


 

Contra a salazarquia
Hipólito Raposo, num livro publicado em 1940, "Amar e Servir. História e Doutrina", que foi apreendido pela polícia política e o levou ao desterro, considerou a existência de uma salazarquia. Demitido da função pública, apenas voltou a ser reintegrado em 1951.

 


 

Contra a eternização do provisório
Alberto de Monsaraz, em 1945, num folheto intitulado "Altura Solar. Marcando Posição", chamou ao Estado Novo a II República, considerando-o como a "eternização do provisório", como algo de "ilógico", onde reinava uma ordem "à maneira sepulcral dos cemitérios".

 


 

O domínio da pseudo-nação
Significativo foi o manifesto "Portugal Restaurado pela Monarquia" (8 de Abril de 1950), subscrito pelos sobreviventes do Integralismo Lusitano, como Alberto de Monsaraz, Hipólito Raposo, José Pequito Rebelo e Luís de Almeida Braga, onde, reconhecendo-se algum esforço do Estado Novo no sentido da nacionalização do regime, se considerou que "à truculência jacobina da Anti-Nação sucede ou substitui-se a hipocrisia da Pseudo-Nação", referindo a "viciação e perversão da doutrina".

 


 

Sem pedir licença ao rei a aos bobos da Corte
Luís de Almeida Braga, apoiante das candidaturas de Norton de Matos, em 1949, e de Humberto Delgado, numa entrevista ao "Diário de Lisboa", em 1958, declarou: "condeno o híbrido sistema político tirânico e vingativo que está a arrastar-nos para a pior catástrofe da nossa história... a idolatria da autoridade, o materialismo da obediência passiva... tendo começado por ser uma ditadura administrativa, manhosamente se transformou em ditadura policial, contrária ao destino moral e pessoal do homem... O Estado Novo tornou os ricos mais ricos e os pobres mais pobres... para me declarar monárquico não peço licença ao rei nem aos bobos da Corte".
Já antes, em "A Revolta da Inteligência", criticara o estatismo e o totalitarismo: "quando o Estado, tornando-se dono do homem, despreza as liberdades individuais e aniquila as autonomias locais, a si próprio prepara o fim por congestão. Município tutelado pelo Estado é município morto; corporação a que o Estado governa, é feira e alborque de consciências comandadas pela avidez do lucro. Para o normal funcionamento das qualidades nacionais, deve a corporação ser livre no município autónomo".

 


 

A costela integralista do actual tradicionalismo
Um tradicionalista destes tempos de interregno não pode deixar de respeitar alguma desta herança pós-integralista. As atitudes sumariamente invocadas são prova inequívoca de uma oposição de direita ao autoritarismo salazarista, os tais "ultras" que, em tempo oportuno, denunciaram o despotismo e que merecem, pelo menos, respeito. Aqui fica mais um dos meus solenes protestos contra o argumentário de certo situacionismo.

 


 

Do consensualismo ao pluralismo, ou as raízes do liberalismo
A postura de certo tradicionalismo português tem, aliás, paralelo noutros contextos culturais europeus, bastando notar as raízes carlistas do nacionalismo basco e de muitos outros defensores das autonomias nacionais, regionais e comunais, proibidas pelo jacobinismo, que, tendo começado na esquerda, depressa se propagou a certas chamadas direitas, as que não querem compreender o pluralismo profundo do nosso consensualismo anti-absolutista. Contudo, não é raro vemos esses adeptos do modelo "bem-pensante" de certo situacionismo invocar grandes mestres anglo-americanos, dos federalistas norte-americanos aos conservadores britânicos, esquecendo, pura e simplesmente, que estes defensores da "revolução evitada", como o foram a revolução inglesa ou a revolução norte-americana, se identificam com o nosso esquecido consensualismo anti-absolutista, onde António de Sousa de Macedo, António Ribeiro dos Santos ou Silvestre Pinheiro Ferreira deveriam figurar como inspiradores da maneira liberal portuguesa de estar no mundo.


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Posted by J. A. to
Pela Santa Liberdade! at 6/5/2003 05:01:36 PM