Os epifenómenos da direita instalada
Se alguém pensa que a disputa que mantenho contra os epifenómenos da direita
instalada tem a ver com questões pessoais, ou que reflectem qualquer atitude
de ?prima dona?, tirem o cavalinho da chuva, que eu já arranquei todos os
restos de punhos de renda que tinha disponíveis. Confesso que nada me move
contra esses pétreos difusores do caminho e da verdade, que apenas pensam em
personalização do poder, preferindo o Paulo ao Manel, quando eu não fui, não
sou nem nunca serei monteirista. Pelo contrário, tenho fundas razões para
combater uma corrente bem mais ancorada em certa atavismo lusitanista, que
mistura a atitude do ?português suave? com um certo leninismo metodológico,
considerando que, face a uma linha considerada justa, de se estar com o
pretenso sentido da história, há perigosos desviacionismos, tanto à esquerda
como à direita.
As raízes marcelistas da atitude
Há uma certa geração que se pensa vanguardista só porque foi educada pelo
memorialismo de Diogo Freitas do Amaral e pelo niilismo da cultura dos ?soundbytes?,
quando é bem mais pré-abrilista. Com efeito, quase repetem os argumentos do
marcelismo, quando este proclamava que toda a não-esquerda, que estava
contra o regime defunto, tinha que ser dos ultras. Mesmo os descendentes do
Integralismo Lusitano, que, na senda de Paiva Couceiro, Afonso Lopes Vieira,
Alberto Monsaraz, Luís de Almeida Braga, José Hipólito Raposo e Vieira de
Almeida, participaram no Congresso da Oposição Democrática, eram
bombardeados pela propaganda do regime com o epíteto de extrema-direita.
Aliás, o próprio Salazar, durante a I República, namoriscando e lançando
piropos a António Maria da Silva, era por este qualificado como
"centrista"...
O marcelismo revisto e
acrescentado
Seguiu-se o marcelismo revisto e acrescentado de Diogo Freitas do Amaral,
com um melodramático pseudo-centrista que cantarolava: "a direita que não
está comigo é naturalmente fascista". Até um Francisco Lucas Pires não
escapou à campanha, bastando recordar algumas tristes declarações dos bonzos
freitistas que, situados na extrema-direita social e económica, tentavam
inventar um fantasma em quem pudessem bater, a fim de obterem, da
esquerda-baixa, um certificado de democraticidade. Não faltaram, aliás,
idênticos epítetos para o actual bastonário da Ordem dos Advogados,
marcelizando-se assim grande parte das estruturas de certo CDS
?rigorosamente ao centro?, onde a bola era naturalmente vítima das duas
setas que a cercavam.
O renascimento do discurso
marcelista-freitista
O discurso marcelista-freitista renasceu em força, quando a crise do sistema
ameaçou romper a hipótese deste PP poder fazer o melhor seguro de vida
possível, através da diluição no PSD. Daí a irritação contra todas as
hipóteses de liberdade de associação vindas da não-esquerda e a imediata
utilização do terrorismo verbal para desancar nos indisciplinadores
colectivos.
Os grandes educadores da
direitíssima instalada
De acordo com a adivinha sobre a pescada, que antes de o ser já o era, e
conforme os próprios conselhos do ex-amigo-inimigo, Professor Doutor Marcelo
Rebelo de Sousa, já qualificado como a governanta do sistema, os grande
educadores da direitíssima instalada, só concebem a existência de um
qualquer agrupamento político novo que se baseie no populismo, no
anti-europeísmo e na extrema-direita. Só um misto de Haider e Poujade, com
pitadinhas de Le Pen é que poderá nascer. Tudo o que ultrapasse esta miopia
desejada tem que ser destruído a golpes de terrorismo verbal, de fichas
pidescas e de linguagem de arruaceiro de salão.
Os "sim, senhor ministro(a)"
Patriotismo, atlantismo e europeísmo são o monopólio dos ?sim, senhor
ministro?. Patriotismo mata-se com a distribuição em lata de certificados de
herói. Anti-europeístas e anti-atlantistas têm que ser os novos diabos que
apareçam, incluindo os que, em voz alta e por escrito, sempre contestaram o
desvio anti-europeísta em que se envolveu a demagogia do respectivo
inspirador. Eles querem ser a direita democrática e até ousam roubar títulos
a quem, bem antes deles, assumiu o pioneirismo da ideia, aquela geração que
deu emprego político ao mesmo inspirador que, na primeira curva do caminho,
logo traiu pessoalmente quem nele confiara.
O que está em causa, caros ?blogueiros?, não é questiúncula típica daqueles
portuguesinhos que andam sempre em bicos-de-pé ou de-pé-atrás. Está em causa
uma questão de fundo.
Na esquerda da direita
Quem, como o subscritor destas linhas, não se situa na esquerda da esquerda
nem na direita da direita, não tem que surpreender-se com a circunstância de
ser detestado pelos nostálgicos da revolução perdida, que o continuam a
qualificar como reaccionário, e de não ser aplaudido pelos saudosos da
reacção não alcançada, que o alcunham como falso conservador.
Acontece que, muito singelamente, sempre gostámos de navegar nas águas
teóricas daquilo que é o verdadeiro conservadorismo contemporâneo, o qual,
por ser mais tradicionalista do que reaccionário, mais adepto do contrário
de uma revolução que de uma revolução ao contrário, sempre se situou na
chamada esquerda da direita.
Se pudesse expressar-me em anglo-saxónico, diria que me sinto mais numa
linha que vai de Edmund Burke e dos federalistas norte-americanos até Hayek
e Oakeshott. De forma galicista, invoco em defesa das minhas posições um
Benjamin Constant e um Alexis Tocqueville, pelo que teria de alinhar, depois
do Maio 68, com Raymond Aron e com aqueles que, como Malraux, desfilaram nos
Champs Elysées, a favor de De Gaulle, contra os adeptos de Marcuse e Che
Guevara.
Confesso ser o exacto contrário do políticamente correcto de todos os que
hoje se carimbam como politicamente incorrectos. Continuo tradicionalista
nos princípios, nos valores culturais e no enraizamento axiológico e
comunitário. Insisto em ser liberal quanto ao modelo político. Persisto na
radical defesa da justiça social quanto ao modelo económico.
A seita dos homens livres
Prefiro continuar a querer aderir à minoritária seita dos ?homens livres?,
livres, sobretudo, ?das finanças e dos partidos?, para repetir o lema da
revista que uniu seareiros e integralistas, sob o impulso de Raul Proença e
Afonso Lopes Vieira, contra a sociedade da Corte que, já antes, impedira que
a Maria da Fonte vencesse, quando, sob a protecção armada do estrangeiro se
quebrou um impulso de autenticidade popular que mobilizou setembristas e
miguelistas contra a degenerescência dos ?donos do poder?.
Fazer convergir radicais e
tradicionalistas
Continua por cumprir o projecto de fazer convergir radicais e
tradicionalistas, na linha do proposto por Alexandre Herculano ou Agostinho
da Silva. Só quando admitirmos que os velhos crentes do sebastianismo foram
os campeões do anti-absolutismo é que deixaremos de ter o mau gosto dos
recentes epifenómenos, a quem trocaram as fichas pindystas.
Entre o miguelismo liberal e o
federalismo nacionalista...
Apetece até dizer, muito provocatoriamente, que, depois, nos faltou uma
espécie de miguelismo liberal, naquilo que, de forma mais tecnicista,
poderíamos qualificar como consensualismo conservador, dado que não me
apetece alinhar na moda anglo-saxónica e dizer-me mais ?wigh? do que ?tory?,
à maneira dos teóricos de ?The Federalist?, entre nós traduzido pelo
miguelista José da Gama e Castro, em pleno exílio brasileiro. Até
acrescentaria, que, face à Europa, podemos ser federalistas e nacionalistas,
ao mesmo tempo, escangalhando assim o argumentário dos epifenomenais
assessores da central do grande educador.
O Estado continua a ser
estrangeiro
É por isso que, repetindo o filósofo brasileiro Miguel Reale, me continuo a
declarar como alguém que gosta de estar na esquerda da direita e que, deste
modo, não pode alinhar no discurso antiliberal que, entre nós, pegou de
estaca, dado não se vislumbrar que grande parte do Estado a que chegámos
resultou de uma colonização não só estrangeira, como também estranha à nossa
índole, numa linha recta que vai de Pombal e Costa Cabral a Afonso Costa e
Salazar, propagando-se através de Vasco Gonçalves e Mário Soares.
E viva o Padre Casimiro!
É assim que continuamos a viver uma época do ?egoísmo e da traição?, onde
raros são ?os homens grandes? e ?raríssimas? as pessoas ?sinceras e de
sentimentos nobres?, dado que falha a capacidade de ?premiar o mérito?, como
observava o Padre Casimiro José Vieira em 1882, numa carta a Camilo Castelo
Branco, por ocasião da publicação dos ?Apontamentos? sobre a revolução dita
da Maria da Fonte.
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Posted by J. A. to
Pela Santa Liberdade!
at 6/5/2003 12:07:46 AM