Voltando à luta de ideias...
Voltando à luta de ideias, talvez tenha o direito de proclamar que, politicamente falando, não há apenas o preto e o branco, mesmo que seja a direita pura e a esquerda imaculada. Entre o preto e o branco, há muitas tonalidades de cinzento e não apenas um espaço geométrico, mensurável em percentagem, com um centro, no rigoroso meio de uma qualquer recta imaginária. Politicamente falando, cada homem é sempre uma mistura, essa simples encruzilhada, onde o acaso e a necessidade do Criador fazem, de cada um, o tal ser que nunca se repete. Por isso, muitas direitas de hoje são esquerdas de ontem, tal como muitas esquerdas são antigas direitas.

 


 

Contra os falsos classificadores da direita e da esquerda
O pior da divisão entre direitas e esquerdas está precisamente nos pressupostos e preconceitos que classificam os valores de esquerda e os valores de direita. Permitam-me pois que insita com certas provocações como a possibilidade de um "miguelismo liberal". Até poderia dizer, com toda a seriedade, que também sou um "realista republicano" e um "federalista nacionalista". Eis a razão pela qual uso uma expressão de Miguel Reale, segundo o qual há quem esteja "na esquerda da direita" e que pode assumir-se pelo "liberalismo social". Tudo depende dos tons de cinzento utilizados pelo politicamente incorrecto.

 


 

Quatro heresias, segundo a direita politicamente correcta
Partindo destes pressupostos posso dizer, com toda a coerência, o seguinte:
-Um liberal pode ser a favor da justiça social e da justiça distributiva.
-A direita pode ser a favor da regionalização.
-A direita pode ser europeísta.
-A direita pode não ser confessional.
Para tanto, podem encontrar-se alguns históricos e futuros da direita que não aceitem aquilo que a revista "Futuro Presente" pensa como direita, aquilo que o movimento "Nação Una" entendeu por soluções contrárias ao interesse nacional, ou aquilo que a idiossincrasia de Sua Excelência o Senhor actual Ministro da Defesa proclama como "ser de direita" ou "ser conservador".

 


 

A ortodoxa heterodoxia
Pode haver gente de direita que prefira Leonardo Coimbra ao Cardeal Cerejeira, Fernando Pessoa a Monsenhor Moreira das Neves e Agostinho da Silva a São José Maria Escrivá. Pode haver gente de direita que tenha participado na equipa directiva do primeiro partido português do arco constitucional que se proclamou da direita e liberal, até ousando invocar o pessoano "nacionalismo liberal". Pode existir gente de direita que sempre tenha sido europeísta e que se tivesse assumido contra o eurocepticismo daquilo que foi a conjuntural aliança de Portas com Monteiro. Pode haver gente de direita que, entendendo que não há um abstracto povo, mas uma federação de povos, se tenha assumido como defensora do "Portugal Plural". Pode haver gente de direita a acreditar que, antes de haver pátria, têm que existir muitas pequenas pátrias e que o Estado não vem do vértice da soberania para os súbditos, mas antes de baixo para cima, dos cidadãos, enquanto república ou comunidade, para o aparelho de poder. Eu sou um deles. E talvez haja mais.


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Posted by J. A. to Pela Santa Liberdade! at 6/6/2003 10:54:21 PM