1997

A nova ordem global e a crise das fronteiras

Cosmopolis

© José Adelino Maltez, História do Presente, 2006

 

A nova ordem global – Bill Clinton, em 20 de Janeiro, inaugura oficialmente o seu segundo mandato, onde reconhece que os Estados Unidos são a única super-potência que resta (a América ficou sozinha como a potência indispensável para o mundo). Contudo, a desaparição do tradicional inimigo comunista vai fazer com que os Estados Unidos se desorientem, por terem talvez perdido o estímulo da ameaça. Condenado ao unilateralismo, o poder norte-americano está também marcado por um poder do Senado e da Câmara dos Representantes, onde, a partir de Novembro, surge uma maioria republicana, tentada pelo isolacionismo, como se revela na circunstância da maioria dos eleitos nunca ter requerido sequer um passaporte. E esta mentalidade leva até a que sejam paralisadas algumas medidas do presidente, nomeadamente os apoios previstos para o Chile e para as economias asiáticas em crise. Contudo, a nível das Américas, duas dinâmicas integradoras estão em confronto. De um lado, a da NAFTA, do outro, a do Mercosul, com um Brasil liderado por um antigo teórico do dependencismo, Fernando Henrique Cardoso, que ao receber Clinton, na sua primeira viagem depois de ser empossado, declara que a nova ordem global não pode ser imposta, mas compartilhada, não deve ser exploradora, mas promotora do bem-estar da humanidade. O mundo, contudo, parece mais preocupado com a morte de duas mulheres: a princesa Diana, em Paris (31 de Agosto) e Madre Teresa de Calcutá (05 de Setembro), no ano em que a Suíça concorda em indemnizar os judeus expropriados pelos nazis que depositaram o respectivo ouro nos bancos helvéticos (17 de Setembro). Na reunião de Denver do G7 (20 e 21 de Junho), é acolhida a Rússia, na qualidade de parceiro e não como simples observador, pelo que o grupo passa a ser efectivamente o G8 e talvez tenha perdido a sua função. Reúne-se em Nova Iorque nova cimeira da terra sobre o meio ambiente (23 a 27 de Junho), visando ultrapassar o impasse que rodeia a aplicação dos princípios aprovados pela Cimeira do Rio de 1992.

Com a esquerda, liderada pelo socialista Lionel Jospin, a vencer as eleições francesas (Junho) e Hong Kong a regressar à soberania chinesa (Julho), eis que, no plano das ideias, é publicada a dissertação de doutoramento de Luís de Sá, Crise das Fronteiras e Nicholas Tenzer reflecte sobre a corrupção intelectual da política.

Jobs for the boys – Em pleno regime de jobs for the boys, o Partido Socialista, no ano da morte de César Oliveira, vai perdendo o estado de graça, enquanto a política se torna insípida, num processo que vai balouçando entre o clientelismo de mais baixo nível e o demagogismo mais estéril. E o Partido Socialista que havia prometido seriedade, para o desmantelamento do Estado-Laranja, começa a ser esmagado pela voracidade das respectivas clientelas. Não há competição política, há jogadas, ao mesmo tempo que o tacticismo substitui a estratégia. O discurso quase se reduz ao slogan, transformando-se num encadeamento de frases à procura de uma parangona de jornal, em dez segundos de glória no telejornal, ou num statement a ser comunicado pelas secções de má-língua dos diários e semanários. Aos domingos, ao começo da tarde, a TSF continua o flashback, com José Magalhães e José Pacheco Pereira, sempre actualizadíssimos, sempre na vanguarda de tudo, do progresso, do bem, da verdade. Sem eles não acederíamos às luzes da razão e não estaríamos na vanguarda do que deve ser. E assim sse perpetua uma doce democratura, onde meia dúzia de opinion makers quase monopolizam o discurso comunicacional, pensando, muitas vezes, que são as únicas pessoas que, por cá, vão pensando. Ao cavaquismo, essa direita dos tecnocratas, apoiada pela direita dos interesses, é-lhe conveniente que a esquerda permaneça incólume no comando do aparelho cultural, de tal maneira que que o situacionismo mobiliza para o respectivo comando ideológico os antigos esquerdistas que se haviam reconvertido no elogio ao novo príncipe. Ser cavaquista aos trinta e quarenta anos depois de ter sido maoísta por volta dos vinte passa a ser condição favorável para uma rápida ascensão dentro do regime, gerando-se, deste modo, aquele direita conveniente para a esquerda da nostalgia. E o exemplo propaga-se ao guterrismo, onde os antigos comunistas e os antigos maoístas logo se aproveitam do desaparecimento dos socialistas históricos.

 

 

©  José Adelino Maltez, História do Presente (2006)

© José Adelino Maltez. Cópias autorizadas, desde que indicada a origem. Última revisão em: 23-04-2009