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Cosmopolis
© José Adelino Maltez, História do Presente, 2006
1977
PS quer ser o partido revolucionário institucionalizado e Portugal na CEE
Ecologismo, pacifismo, terrorismo e Estado-Espectáculo ä Regresso de Deng Xiao Ping ao poder ä Sadat e Begin reúnem-se em Jerusalém ä URSS negoceia directamente com a CEE ä Morte de Elvis Presley
Europa, proibida ou decadente?
Mensário1976
Francisco Sá Carneiro
Regressamos ao fim de cinco séculos, às nossas fronteiras do século XV. Encontramo-nos, ao fim de cinco séculos, connosco próprios, com o nosso território europeu. Encaminhando-nos para a Europa correspondemos ao nosso destino histórico. Podemos encetar, como no passado aconteceu sempre que nos abrimos à Europa, um período de grandeza, que será mais cultural porque mais humana, do que a grandeza das descobertas ou do tráfico de escravos ou do ouro do Brasil: porque será uma verdadeira grandeza de pessoas e de povo, unidos aos europeus.
Jan Patocka
Uma ideia pela qual não se está disposto a dar a vida, é uma ideia pela qual não vale a pena lutar
Philippe Braillard, Théorie des Relations Internationales e Théorie des Systèmes et Relations Internationales; Hedley Bull, The Anarchical Society. A Study of Orde in World Politics; Robert Keohane e Joseph Nye, Power and Interdependence. World Politics in Transition; Roberto Mesa, Teoría y Práctica de las Relaciones Internacionales; Reinhard Meyers, Die Lehre von den Internationalen Beziehungen. Ein entwicklungsgeschichtlicher Überblick; F. Parkinson, The Philosophy of International Relations; Martin Wight, Systems of States.
Quando emergem os ecologistas e os nouveaux philosophes, consolida-se o poder de Deng Xiao Ping na China, enquanto os líderes do Egipto e de Israel têm um encontro em Jerusalém (19 de Novembro). Os Estados Unidos assistem à tomada de posse de um novo presidente, James Carter (20 de Janeiro), o terrorismo assola a República Federal da Alemanha, enquanto há manifestações pacifistas em França (Agosto), onde se dá a ruptura da União de Esquerda (23 de Setembro), num tempo de teorização do Estado Espectáculo (Schwartzenberg) e de alguns se interrogarem sobre se será possível Vivre sans État? (Lapierre), quando Ronald Dworkin publica Taking Rights Seriously. Algumas alterações políticas internas nos vários países europeus mercem referência: nas eleições irlandesas vence o Fianna Fail (Junho); nas gregas, vencem os socialistas de Andreas Papandreou (Novembro). Já na Checolováquia é divulgada a Carta 77 (7 de Janeiro), inspirada pelo filósofo Jan Patocka (1907-1977) e pelo dramaturgo Vaclav Havel.
Europa, proibida ou decadente?
No plano da integração europeia, onde tanto se fala numa Europe interdite (Deniau), como numa Europa decadente (Aron), também se proclama que l’avenir est nôtre affaire (Rougemont) e se acredita na terre promise (Lannou), há que referir a entrada em vigor do Tratado de 1975 que aumenta os poderes orçamentais do Parlamento Europeu (1 de Junho) e o começo das negociações directas da URSS com a CEE, no ano em que o britânico Roy Jenkins se torna presidente da Comissão Europeia (6 de Janeiro).
É neste ano que Portugal formaliza o seu pedido de adesão), através do Primeiro-Ministro Mário Soares, quando era ministro dos negócios estrangeiros José Medeiros Ferreira.
Segue-se o pedido de adesão da Espanha (28 de Julho), depois da UCD de Adolfo Suárez ter vencido as eleições (15 de Junho) e antes de ser subscrito o Pacto de Moncloa (27 de Outubro).
Finda também o período transitório para os novos Estados membros, com o alinhamento dos respectivos preços agrícolas com os comunitários (31 de Dezembro).
Europa
Foi em 28 de Março de 1977, através do Embaixador Siqueira Freire, que Portugal formalizou o seu pedido de adesão às Comunidades Europeias. Já no programa de I Governo Constitucional se expressava a intenção de ser pedida a adesão à CEE e, no acto de posse, em 20 de Setembro de 1976, Mário Soares falava numa opção europeia que passaria por requerer a (…) imediata admissão no Conselho da Europa e a (…) adesão à CEE (23 de Julho).
Em Março de 1977, Mário Soares faz uma comunicação à Assembleia da República sobre o pedido de adesão de Portugal à CEE, recebendo formal apoio do PSD e do CDS. Soares referia então a busca de uma nova identidade através do regresso à Europa. Nesta sequência, foi aprovado pelo PS, PSD e CDS um voto de congratulação do seguinte teor:
A opção europeia é para Portugal uma escolha histórica decisiva cujas repercussões alterarão profundamente as estruturas económicas, sociais e políticas da vida portuguesa. Os desafios que a adesão à Comunidade Económica Europeia põe a todos os portugueses, criando estímulos de desenvolvimento e perspectivas de progresso, hão-de mobilizar o povo português num projecto nacional de reconstrução da economia e de restruturação de uma sociedade mais justa. Tendo ainda em conta que para a participação efectiva de todas as forças políticas, sindicais, económicas e sociais interessadas nesse projecto nacional se torna necessário, já na fase das negociações, que: se aproveitem as capacidades e disponibilidades de todos os portugueses sem discriminações partidárias; se mantenha uma íntima cooperação entre órgãos de soberania e ainda uma estreita articulação com os Governos regionais e todos os sectores da Administração Pública; exprimindo o desejo de que: se obtenha protecção laboral e social para os portugueses que trabalham nos países da Comunidade; se consiga que Portugal beneficie dos fundos comunitários; se consiga desde já a assistência da C.E.E. para os trabalhos da necessária adaptação das actividades nacionais às políticas seguidas no interior da Comunidade; a Assembleia da República congratula-se pelos progressos realizados na política seguida pelo Governo em relação à adesão à Comunidade Económica Europeia e faz votos para que as negociações se desenvolvam no espírito desta moção..
O ceeísmo pós-revolucionário
As contradições da nossa primeira aproximação europeísta da década de sessenta, continuaram na pós-revolução da Europa connosco. Emergiu, entretanto, uma espécie de de ceeísmo, marcada por um certo provincianismo caricaturalmente estrangeirado, para quem o ser europeu parecia equivaler à média geral dos valores da pequena Europa Continental.
Foi assim que certo europeísmo à portuguesa dos anos sessenta não entendeu que o nosso lusotropicalismo era essencialmente ocidentalista, constituindo uma das últimas emanações do espírito de fronteira do chamado Euromundo que, não tendo sofrido o directo impacto do complexo de derrota do pós-guerra, ainda tinha a ilusão de poder aguentar os ventos da história (não nos esqueçamos que entre os quinze actuais Estados membros da CEE se encontram quase todas as potências coloniais europeias).
Tal caricatura não reparou que a Europa do último quartel do século XX, depois de vencer a tentação neutralista, que a guerra fria podia ter acirrado, sofria, para além do desafio americano e da concorrência japonesa, um claro desafio mundial. Levando a que o processo de construção da unidade europeia, ultrapassada a fase inicial de garantia da paz, constituísse uma necessária legítima defesa de quem, tendo gerado um mundo à sua imagem e semelhança, tinha deixado de ser protagonista nos principais conflitos extra-europeus, a partir da crise do Suez de 1956.
Um europeísmo tecnocrático
Com efeito, o projecto europeu não teve para nós, portugueses a que chegámos, ou portugueses que restamos, a dimensão heróica do europeísmo da resistência, típico dos países participantes na Segunda Guerra Mundial, nem o mínimo de radicação popular.
Todo ele parecia caber num qualquer relatório tecnocrático de um gabinete de estudos de um banco ou num memorando de um dos muitos gabinetes de planeamento dos anos setenta, aceitando aquelas bases teoréticas que tratam das pessoas como meros factores de produção e reduzem as pátrias a unidades estatísticas, ambas marcadas pela fungibilidade e pelo abstraccionismo geométrico.
Este primitivo ceeísmo reduzia a Europa a uma das muitas formas possíveis de integração económica internacional, de um simples mercado comum com algum parentesco com uma zona de comércio livre, considerados como meros pontos de aplicação das teorias desenvolvimentistas que os teóricos do planeamento e da macro-economia glosavam com a higiene científica dos manuais de economia internacional.
Aliás, os mesmos tópicos da integração económica tanto serviam para tratar da unidade económica nacional que ia Minho a Timor, como da integração europeia.
A transição para a democracia em Espanha
Também Espanha vivia uma transição democrática, sem sobressaltos de maior, sob o comando do governo de Adolfo Suarez.
Pacto de Moncloa em Espanha; acordo entre o governo e a oposição sobre um programa económico (27 de Outubro)
Tal estado de coisas foi, entretanto contestado pelo falhado golpe de Tejero de Molina, de 23 de Fevereiro de 1981, mas a acção do rei Juan Carlos torna-se paradigmática. Em Outubro de 1982, dava-se o cambio com a eleição por maioria absoluta do PSOE, de Felipe González
Mensário1977
Janeiro
Carta 77 na Checoslováquia e guerra civil no Líbano
Fevereiro
Legalização dos partidos em Espanha e crescente sovietização da Etiópia
Março
Indira Gandhi abandona o poder e eurocomunismo em crescendo
Abril
Bruxelas aceita pedido de adesão portuguesa à CEE
Maio
A transição espanhola para a democracia
Junho
Brejnev concentra poderes em tempo de Conferência Norte-Sul
Julho
Espanha de Suarez pede adesão à CEE e reabilitação de Deng Xiao Ping
Agosto
Do space shuttle ao pacifismo
Setembro
Fim da união de esquerda em França e terrorismo na RFA
Outubro
Entre o Pacto de Moncloa e o falhanço da CSCE de Belgrado
Novembro
Nova Democracia vence eleições gregas e Sadat visita
Israel
Dezembro
Bokassa torna-se imperador e comunistas franceses criticam a URSS
© José Adelino Maltez, História do Presente (2006)
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