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  Anuário de 1900

1900

Entre lucianistas e hintzáceos, o estertor do rotativismo

O colapso do Rotativismo

O positivismo naturalista

A Exposição Universal de Paris

(Ver pormenores em anuário CEPP

·Deputado Ferreira de Almeida volta a propor a venda das colónias (12 de Fevereiro)

·Repetidas as eleições no Porto. Voltam a ser eleitos os republicanos, chamados deputados da peste (18 de Fevereiro)

·Morte de António Serpa, sucedendo-lhe Hintze Ribeiro na chefia dos regeneradores (Abril)

·Eça publica A Cidade e as Serras (Agosto)

·Grande comício republicano contra as congregações (9 de Setembro)

·Eleições. Não são eleitos deputados republicanos (Novembro)

·Anselmo de Andrade sai do governo, sendo substituído por Pinto dos Santos (30 de Novembro)

 

Continua governo de José Luciano que praticamente fica paralisado em casa na Rua dos Navegantes, onde governa o país através do telefone

(18 de Fevereiro) Repetidas as eleições no Porto, mantendo-se os três republicanos eleitos.

Governo nº 45 Hintze Ribeiro (1578 dias). João Franco não é ministro.

Eleição nº 38 (25 de Novembro). Vitória dos regeneradores hintzáceos.

µMonárquicos criam a Comissão Liberal (anticlerical). Republicanos instituem a Junta Liberal Republicana do mesmo teor.

A decadência lucianista – Nos começos de 1900 continua o governo de José Luciano que praticamente fica paralisado em casa na Rua dos Navegantes, donde governa o país através de um novo instrumento tecnológico, o telefone. Deputado Ferreira de Almeida volta a propor a venda das colónias (12 de Fevereiro). Repetidas as eleições no Porto e voltam a ser eleitos os republicanos, chamados deputados da peste (18 de Fevereiro). Depois de uma longa maratona processual, o conde Burnay toma posse como deputado (3 de Abril). O governo invoca várias incompatibilidades, que implicou a renúncia de cargos pelo deputado eleito, defendido por Afonso Costa e Augusto Fuschini. Deputado Gustavo Roboredo de Sampaio e Melo apresenta um projecto de lei do divórcio (5 de Maio). Grandes comícios republicanos em Lisboa e Porto contra as propostas financeiras de Espregueira (6 de Maio).

Corrupção – Havia grande corrupção, na verdade, mas muito menos devorismo do que cepticismo. A Monarquia estava, sim, à mercê de alguns bandos que exageravam tudo para bem ou para mal, segundo os interesses da patrulha, porque, a rigor, já não havia verdadeiros partidos (José Agostinho).

Carta de D. Carlos a José Luciano, onde o rei, invocando a legalidade, declara que não promulgará um novo Acto Adicional (20 de Junho). Gera-se a convicção da inevitável queda do gabinete. D. Carlos tinha, entretanto, enviado várias cartas a José Luciano, fazendo observações críticas sobre determinadas medidas governamentais, mas estas nunca obtiveram cabal resposta (22 de Junho).

Governo nº 45 de Hintze Ribeiro (1578 dias, desde 26 de Junho). O segundo governo de Hintze e o oitavo dos regeneradores. Anselmo José Franco Assis de Andrade (1844-1928), na fazenda, começa por ser a estrela do gabinete, anunciando um programa de liberdade, medidas de fomento, reformas fazendárias, mas logo sai em 30 de Novembro de 1900. João Franco fica de fora, mas o então franquista António Teixeira de Sousa (1862-1917), médico transmontano, vai para a pasta da marinha.

Presidente acumula o reino. Os ministros constantes até 1903 são: Campos Henriques na justiça; Pimentel Pinto na guerra; António Teixeira de Sousa, na marinha e ultramar e, depois de 1903, na fazenda; Anselmo de Andrade na fazenda; Capitão José Gonçalves Pereira dos Santos (n. 1855), nas obras públicas; João Marcelino Arroio nos estrangeiros. Em 30 de Novembro de 1900: o lente da Politécnica Fernando Matoso dos Santos (1850-1921) substitui Anselmo de Andrade na fazenda; Manuel Francisco Vargas substitui o capitão José Gonçalves Pereira dos Santos, nas obras públicas.

Inicia-se então o período da desagregação partidária, com sucessivas dissidências nos grupos rotativos. Em 14 de Maio de 1901, 25 deputados da maioria, liderados por João Franco constituem o grupo dos regeneradores liberais. Grande comício republicano contra as congregações (9 de Setembro). Dissolução da Câmara dos Deputados (27 de Outubro).

Grande comício republicano contra as congregações religiosas, pouco depois do conde Reilhac em Paris anunciar que iria publicar sensacionais declarações de antigas educandas do convento das Trinas (9 de Setembro).

Eleição nº 38 da Câmara dos Deputados (25 de Novembro). Vitória dos regeneradores hintzáceos. É manifesta a política dos galopins e caciques, dominando a tal querida máquina que ia prometendo mais sinos e campanários. Não são eleitos deputados republicanos, apesar de partido aumentar as votações. Surgem como independentes Mariano de Carvalho, Augusto Fuschini, o visconde de Mangualde e José Dias Ferreira. 551 437 eleitores, dos quais 74% são analfabetos. Mas como então observa José Dias Ferreira, o povo não ligava a menor importância a um acto nitidamente falsificado e, portanto, tão nocivo quanto inútil.

Governo vitorioso – O ministério, com tão boa maioria parlamentar, e glorioso pela fornada dos dignos pares, podia apresentar-se limpamente no século XX (José Agostinho).

Capitalismo de Estado – Anselmo de Andrade demite-se por não ver aprovado o projecto de constituição de um banco do Estado. A Companhia dos Fósforos assume a adjudicação do negócio dos tabacos (7 de Dezembro).

Uma caterva de negócios – Em volta do governo está-se planeando uma caterva de negócios, ligados com os tabacos, os credores externos, com os caminhos-de-ferro do Estado e do Ultramar, por seus "brasseurs d’affaires" intermediários (António Enes, dirigindo-se a Anselmo de Andrade)

Governo com mau nome – A remodelação deixa o ministério com mau nome, desamparado pela melhor opinião pública (José Agostinho sobre a remodelação do governo de Hintze, em Novembro).

Fornada de 18 pares pró-governamentais. Entra Ferreira de Almeida, que propusera a venda das colónias, mas não entra António Enes (Dezembro).

O colapso do rotativismo – A partir de 1900, o modelo rotativista entra em colapso, com sucessivas dissoluções, adiamentos de Cortes e ditaduras administrativas, principalmente a de João Franco, de Maio de 1907 a Fevereiro de 1908. Apesar disso, mantém-se a imagem do poder, cultivando-se a manutenção do modelo tradicional de monarquia constitucional, com instituições representativas. Este modelo não será, aliás, alterado com a edição do decreto eleitoral de 8 de Agosto de 1901, a chamada ignóbil porcaria que visa evitar a subida ao parlamento da facção de João Franco e dos republicanos. A principal novidade está na base teórica que dá cobertura à experiência governativa de João Franco, com o efectivo apoio do rei. Continuávamos, contudo, no domínio do modelo liberal representativo e o intervencionismo do monarca pertence às próprias regras do jogo constitucional, ao mesmo tempo que o presidente do conselho sempre se manteve nos domínios das ideias regeneradoras.

Fúria anticlerical Dá-se também um recrudescimento da fúria anticlerical, ou anti-congreganista, como então se dizia, não só por parte dos republicanos, como também pelos principais representantes das forças monárquicas, talvez pela circunstância de se organizarem movimentos políticos católicos, desde o CADC ao partido nacionalista. Na sede efectiva do poder, eis que o paço trata de jogar um efectivo papel, tanto na chamada ao poder de João Franco, com D. Carlos a assistir a conselhos de ministros, como também com D. Manuel I

Rotativismos – Desempenha, contudo, um papel fundamental a relação entre os directórios dos dois principais partidos monárquicos. Veja-se o acordo estabelecido entre José Luciano e Hintze Ribeiro, em Junho de 1903, visando evitar que qualquer deles tivesse uma relação privilegiada com as dissidências do outro. Hintze teme que os progressistas se entendam com os franquistas e Luciano quer isolar José Maria de Alpoim. Mas esse acordo é rompido várias vezes. Primeiro, quando José Luciano se entende com João Franco. Depois, a partir da liderança de Júlio de Vilhena, nos regeneradores, quando José Luciano favorece a dissidência de Campos Henriques e Vilhena responde, fazendo um bloco com os dissidentes de José Maria de Alpoim. De qualquer maneira, tanto progressistas como regeneradores deixam de fazer entendimentos com os republicanos. Apenas os dissidentes progressistas prosseguem nessa via em Janeiro de 1908, com as trágicas consequências do regicídio. Do lado da maçonaria, a unidade mantém-se, permitindo a constituição de uma nova organização conspirativa, a Carbonária.

Dissidentes – É neste período que surgem duas grandes dissidências: dos regeneradores sai, em 1901, o grupo de João Franco, surgindo os chamados regeneradores liberais; dos progressistas, emerge, em 1905, o grupo de José de Alpoim, constituindo a chamada dissidência progressista. Mesmo entre os oposicionistas, se, à esquerda, começa o confronto entre republicanos e socialistas, eis que, à direita, se institucionaliza um partido legitimista, enquanto os católicos começam a organizar-se, surgindo em 1901, um Centro Naciona Académico, depois dito Centro Académico da Democracia Cristã, e em 1903, um Partido Nacionalista.

A dinâmica governamental – Nos primeiros anos do século XX o sistema rotativista vive as últimas experiências governamentais dos grandes partidos unificados. Primeiro, o governo regenerador de Hintze Ribeiro, entre 26 de Junho de 1900 e 20 de Outubro de 1904, mas já sem a colaboração de João Franco. Depois, o governo de José Luciano, entre 1904 e 1906, durante o qual surgirá a dissidência de José Maria de Alpoim. A relativa estabilidade governamental só voltará com o governo de João Franco entre Maio de 1906 e Fevereiro de 1908. Mas a estatística não desmente a instabilidade desses dez últimos anos da monarquia, com dez governos e sete eleições gerais (25 de Novembro de 1900, 6 de Outubro de 1901, 26 de Junho de 1904, 12 de Fevereiro de 1905, 29 de Abril de 1906, 19 de Agosto de 1906, 5 de Abril de 1908 e 28 de Agosto de 1910).

 

& Agostinho, José (V): 41, 42; Martins, F. Rocha (1929): 426 ss.; Oliveira, Lopes: 186, 188, 189, 190, 191, 192; Paixão, Braga (II, 1968): 274 ss.; Serrão, Joaquim Veríssimo (X): 91. 92..