PÁTRIA PROMETIDA

Pátria Prometida

NÓMADA DE MIM MESMO

Com pedras palavras
Construir o meu poema
Tenho as palavras todas dentro de mim
A palavra prometida me dai sempre
As palavras rompem da memória

NA RAIZ DO MEU SER
Onde não há cor nem formas
Por detrás de cada poema


A POESIA DO MOMENTO
As palavras que acontecem de repente
Por onde o olhar se alonga
O poema hoje não é ferida que doa
Poesia são estas mãos de bruma
Para quando o poema da emoção
Acertar todos os relógios
Em silêncio as palavras são

NA CIDADE MAS LONGE DA CIDADE
Sempre canções por fazer
Palavra a palavra exercitar poemas
Poisado na pedra, repouso meu corpo
Esta poesia do calor amarela e seca

POEMAS POR FAZER
Ao tempo perdido as mãos lancei
Este poema por fazer
No vaivém do coração

IR ALÉM DENTRO DE MIM
O senhor deus fez de mim balão
Voando além de mim dentro de mim
Por dentro de mim, dentro bem fundo
Sempre mais além para não chegarmos
Sempre a noite companheira
A poesia dos silêncios procurados
Vem, solidão da noite

ALÉM DA MORTE NÃO HÁ MORTE
Não, morrer agora não
Para quê pensar no homem lobo
Estar sozinho diante da muralha

ENTRE O SER E O NÃO SER

Quando a noite não é noite
Nesta manhã suave
No húmido húmus
Mergulhar nas trevas do meu impulso
De ti parti para o mundo
Eu que tive forças para vencer
Fingi nos meus poemas
De que valem mãos que me defendam
Pensar amor nesta hora de dor
Sou a sombra do que sou
Não senti na carne a poesia

NO BULÍCIO DA CIDADE
No deserto da cidade
Esta cidade nos dói todos os dias
As milimétricas quadrículas
Sem leme nem vela
Às dez da noite de domingo
Neste prédio de apartamentos
Cigarro a cigarro
Pedestre peregrino pelas ruas


PEREGRINANDO AMOR

Meu amor adolescente
Tempos azuis adolescentes
Naquela noite em que teu corpo

AMORMENTE

De novo o amor volta a ser poema
Teus braços débeis de andorinha foragida
Que importa o amanhã
Amar o amor no plural
A minha espera foi deserto
Enquanto espero por teus braços
Anseio mão amante que se estenda
Ausentes meus olhos estão presentes
Em solidão me cerro dia a dia
É teu nome que regressa
Não apetece passear sozinho
Esta saudade
É demais este sofrer-te
Os anos passaram
Já não és senão recordação
Na mata das acácias meu amor
Será possível que um só momento
Conversando
Apetece simplesmente conversar contigo
Queria ser gaivota
Entre a lua e a cidade
Ergo meus olhos para o sonho
Adormeço nos píncaros do tempo
Agramor
Lavrar no corpo da mulher
Deixa que teus seios aproem
É a hora de celebrar teu corpo
Nas densas brenhas do teu corpo
Ternura de amar-te
De olhos postos no teu rosto
Meu corpo todo lança de fogo
Digo dos teus olhos cor de mar
Pureza de estarmos sós
Na rudeza crua
Dai-me senhor do tempo
O tempo que passa

TODOS OS DIAS OS DIAS SÃO

Todos os dias os dias são
Desbravando a madrugada
No sossego da madrugada
Quando as horas deslizam
As mãos cheias de nada
Pela estrada fora, noite dentro
Sempre a noite diante dos faróis
Sei que senti poesia
Amanhã três homens vão partir
Das horas todas uma só hora
Nunca sentir receio
Procurar porquês para cada instante

PASSEANDO NO PASSADO

Era uma terra em pousio
A mesma paisagem de outrora
Como o tempo passa
A velha casa do meu avô
No meu quintal em dias de sol
Minha avó velha mãe da mãe da minha mãe
A morte veio beijar-te lentamente

NOSSO FILHO HOMEM SEMENTE

As mãos de deus nos deram fogo
Fiquei só comigo mesmo

HORAS DE BRUMA

Mais uma vez o homem

Mais uma vez as palavras
Fui homem total meio deus meio animal
Quebrar atávicas algemas

NAS TEORIAS DA RAZÃO

Seguir o rumo livre
Ousei aventurar-me
segregando teu grito de mordaças
Cravar fundas as unhas
O mistério não acaba em bojador
Sei que dentro de mim

MARE NOSTRUM

Entre as ondas e as areias
Sobre o mar cinzento
Benvindo são vapor
Lá vem o navio balouçando

BEIRA MAR DE PORTUGAL

A música natural do nascer do dia
Entre as areias e o pinhal

OLHANDO A BARRA DO TEJO

Do cimo desta colina
Navios são berços
Entram na barra barcos estrangeiros
Regressam ao algarve

MIL NOVECENTOS E SETENTA E CINCO

Mil novecentos e setenta e cinco
Mesmo pátria antiga
Nossos mortos
Sem versos que nos despertem
Que as palavras sejam armas
Não açaimes teu ser
Nosso querer há-de varar
Dias que passo a pensar
Deixa que os tiranos dominem
Estou aqui não vou fugir
O povo revoltado
Perdidos
Segregado, sigo sem contrato
Podeis prender meu corpo

REGRESSO QUE NÃO VEM

Sebastião somos nós quando acreditamos
Enchemos trovas com palavras
Eu sou o que sem medo
Morremos sem bandarra portugueses
Não sei se sebastião pode mais voltar
Não vês florirem esperanças
Passo a passo te consagro