1970 |
Morte de Salazar, SEDES, MRPP e Convergência Monárquica |
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Cosmopolis |
© José Adelino Maltez, História do Presente, 2006 |
O processo da guerra colonial continua sem
alternativas. Se em Angola as zonas de insegurança se comprimem; se, na Guiné,
apesar da forte pressão militar da guerrilha, Spínola assume-se como um dos
últimos generais românticos do Ocidente e trata de disputar política e
socialmente o terreno ao PAIGC, através de uma subtil guerra psicológica;
finalemente, em Moçambique, Kaúlza de Arriaga prossegue, de forma mais clássica,
a contenção.
Contudo, no dia 3 de Julho dá-se um terrível choque nas
consciências, com o Papa Paulo VI a receber em audiência líderes dos movimentos
armados que combatem as tropas portuguesas.
Na própria rectaguarda metropolitana, nos começos do
Verão, emerge uma ala armada do próprio PCP, a Aliança Revolucionária Armada,
que começa a actividade bombista sabotando equipamento destinado a sustentar a
guerra. Falha também uma tentativa de inversão de processo de guerra na Guiné,
com o desembarque em Conakry de um grupo de operações especiais comandado por
Alpoim Galvão (20 de Novembro).
No Outono, Marcello Caetano inicia o confronto com a
ala liberal na Assembleia Nacional e com os então ditos tecnocratas
que haviam sido mobilizados para o governo. Um deles, João Salgueiro, acaba por
demitir-se do cargo de subsecretário de Estado do Planeamento, para assumir as
funções de um clube político então nascente, a SEDES (Outubro de 1970).
Condenado a este isolamento, Marcello Caetano não pode
cometer erros no seu relacionamento com as forças armadas, mas como a história o
virá a demonstrar, as apostas tácticas que faz serão desastrosas. Não apoiando
as iniciativas espectaculares de Spínola, desde o encontro com Senghor, em 18 de
Maio de 1971, às projectadas conversações com o próprio Amílcar Cabral,
prenúncio de uma espécie de paz dos bravos, e temendo uma conspiração dos
ultras militares, acaba por fazer reeleger o velho almirante Tomás (25 de
Julho de 1971), por aliar-se ao general Francisco da Costa Gomes, sucessivamente
nomeado comandante operacional em Angola (1970) e Chefe do Estado-maior Geral
das Forças Armadas (1972), e por levar a cabo uma revisão constitucional, pela
Lei nº 3/71(6 de Agosto) que, eliminando o conceito estratégico nacional
constante do anterior texto da lei fundamental, acaba por não contentar aos
liberais e por não resolver a questão ultramarina.
Cheias – Nas primeiras semanas do ano, há grandes
cheias, especialmente no Ribatejo. Os jornais dizem mesmo que se trata das
maiores do século. A revista Vida Mundial de 16 de Janeiro comenta: o
Tejo subiu, como todos os anos, alagando a parte baixa de Santarém e isolando
muitas localidades. Isto 5 000 anos depois dos egípcios aproveitarem as
inundações do Nilo, um dos maiores rios do Mundo, para criarem uma civilização
florescente.
novos ministros são Rui Patrícioö , nos negócios estrangeiros, e Veiga Simão, na educação nacional. Baltazar Rebelo de Sousa, vindo de Moçambique, traz para a saúde e assistência Francisco Gonçalves Ferreira, ligado ao grupo da Seara Nova, que vai fazer equipa com Silva Pinto e Nogueira de Brito. Nas comunicações e transportes, aparece Oliveira Martins como secretário de Estado. Na juventude e desportos, Augusto de Ataíde. No comércio, Vaz Pinto.
A primeira mulher num governo português, Maria Teresa
Lobo, subsecretária da saúde e assistência, toma posse em 20 de Agosto). João
Salgueiro, membro da SEDES, é demitido de sub-secretário de Estado do
planeamento para poder continuar presidente da SEDES (30 de Outubro). João Mota
Campos toma posse como Ministro de Estado, depois da exoneração de João
Salgueiro. Irá dedicar-se à reforma administrativa e ao IV Plano de Fomento (31
de Outubro). Veiga Simão altera o sistema de gestão universitária (2 de Novembro).
Da UN à ANP – União Nacional, no
seu V Congresso, onde estão presentes 600 filiados, passa a designar-se
Acção Nacional Popular, já no dia 21 de Fevereiro. Na sessão inaugural, no dia
20, destaque para a conferência de Afonso Rodrigues Queiró: Partidos e Partido
Único no Pensamento Político de Salazar. Em 19 de Março toma posse a I comissão
executiva da ANP, presidida por Manuel Cotta Dias, com António Caetano de
Carvalho, João Pinto Castelo Branco e Tomás Oliveira Dias.
Morte de Salazar (27 de Julho). Funerais
para o Vimieiro, onde fica em campa rasa (30 de Julho). Homília pelo padre
Moreira das Neves e discurso de Afonso Queiró, em nome da Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra.
Questão colonial – Amílcar Cabral desloca-se aos
Estados Unidos para intervir numa sessão de homenagem a
Eduardo Mondlane promovida pela Universidade de Siracusa (Fevereiro).
Participa numa sessão da Comissão de Negócios Estrangeiros do Congresso. Arantes
e Oliveiraö , governador de Moçambique (1 de
Março). Kaúlza de Arriaga, em Março, é nomeado comandante-chefe e lança no
território, em Junho, a operação Nó Górdio. Em Abril, Amílcar Cabral
desloca-se à URSS. Costa Gomes chega a Angola, assumindo as funções de
comandante-chefe das forças armadas no território (3 de Maio). Samora Machel
(1933-1986) é eleito presidente da FRELIMO, com Marcelino dos Santos em
Vice-Presidente (14 de Maio). Nomeado o bispo negro D. Eduardo André Muaca, para
Luanda. Fora amigo do padre Joaquim Pinto de Andrade (31 de Maio). Paulo VI
recebe Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos, por ocasião da
realização em Roma de uma Conferência Internacional de Solidariedade com os
Povos das Colónias Portuguesas (3 de Julho). Protesto do governo português junto
da Santa Sé (4 de Julho). Discurso de Marcello Caetano criticando a ala liberal
(23 de Julho).
Há uma carta de Santos Costa a Marcello Caetano, datada
de 10 de Julho, onde o antigo ministro de Salazar observa: foi realmente pena
que o nosso Paulo VI não tivesse levado da nação portuguesa o pontapé no
traseiro que bem diligenciou merecer.
Guerra colonial e guerra civil fria – Em queda de
helicóptero na Guiné, morrem vários deputados, entre os quais o guineense Pinto
Bull e o até então líder da ala liberal Pinto Leite (25 de Julho). Ataque de
tropas especiais portuguesas a Conakry (de 19 a 23 de Novembro). Segunda acção
da ARA, contra equipamento militar, que se destina a seguir para África. Governo
nega participação portuguesa no assalto a Conakry (22 de Novembro).
Oposicionistas e ultramarinistas – Entretanto,
mantém-se a teimosia do patriotismo imperial de certa oposição republicana, com
Nuno Rodrigues dos Santos e Acácio Gouveia a declararem-se partidários da
defesa do Ultramar. Em entrevista ao Diário de Lisboa, este último
declara expressamente: o Ultramar pertence a todos nós, todos temos a
obrigação de defender o Ultramar (10 de Outubro de 1970). Álvaro Cunhal,
desdenhando esta coerência republicana, há-de dizer que eles representam
sectores da média burguesia e, de forma cada vez mais exclusiva, daqueles que
estão ligados aos interesses monopolistas e à exploração colonial.
A repressão continua – Oposição promove várias
comemorações por ocasião do 31 de Janeiro, nomeadamente no Porto, com discurso
de Mário Soares. Prisão de Francisco Salgado Zenha, impedido de realizar
colóquio sobre o problema colonial na Faculdade de Direito de Lisboa
(17 de Fevereiro). Raúl Rego com residência fixa. Também é preso Jaime
Gama. Greves da fome de prisioneiros políticos em Caxias. Prisão do Padre Mário
de Oliveira, da Lixa (Julho). Mário Soares é autorizado a vir a Lisboa para os
funerais do Dr. João Soares. Gerindo um exílio europeísta, acaba, depois, por
instalar-se em Paris (3 de Agosto).
Crise estudantil. Governo nomeia em 27 de Outubro um
novo reitor para a Universidade de Coimbra, José de Gouveia Monteiro (n. 1922),
procurando uma conciliação com o movimento estudantil, ao declarar no acto de
posse considerar-se não um delegado do Governo junto da Universidade, mas um
representante da Universidade junto do Governo .
Novas e velhas oposições – Silva Marques tem um
encontro, em Viseu, com um membro da direcção central do PCP, Carlos Brito, que
lhe comunica a expulsão (2 de Fevereiro). Passa, depois, para o exílio
em Paris, onde vai licenciar-se em sociologia.
MRPP Fundado o
Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado por Arnaldo Matos,
secretário-geral, Fernando Rosas e João Machado (18 de Setembro). Surge o jornal
Bandeira Vermelha, órgão do movimento, em Dezembro. Apesar de entidade
em causa nunca conseguir mobilizar as massas do proletariado, conseguiu
congregar algumas das jovens massas das futuras elites que irão ter lugares de
destaque na liderança dos partidos burgueses, como José Manuel Durão Barroso.
Outra vertente mobilizada é a de futuros historiadores e
jornalistas-historiadores que hão-de gerir os arquivos do soarismo e do
cavaquismo, com Mário Soares a utilizar Teresa de Sousa e Fernando Rosas e
Cavaco Silva a utilizar José Freire Antunes como assessor. Por eles passarão as
novas linhas justas da memória europeísta ou da luta contra a globalização, bem
como os arquivos publicáveis da CIA e de Madrid. Para cúmulo da ironia, serão
eles a divulgar o espólio da família Marcello Caetano e a receber as
confidências de alguns dos adversários deste, num jogo de revisionismo histórico
que será contraditado por outros arquivos institucionais e pessoais, quando os
nossos historiadores se familiarizarem com a língua russa e puderem aceder aos
arquivos da maçonaria.
Álvaro Cunhal fala em o divisionismo e cisionismo
sistemático, o denegrimento dos outros a tentar criar vazios políticos onde
pescar, a fragmentação, as guerras de alecrim e da manjerona entre pequenas
seitas, os renovadores e os renovadores dos renovadores nos vários e ridículos
Eme-Erre-Pum-Puns que desaparecem tal como aparecem, o verbalismo e as
esterilidade dos grandes planos tácticos e estratégicos, o exagero das
divergências verbais entre sectores antifascistas e o apagamento do combate ao
fascismo...
Convergência Monárquica A oposição monárquica
reúne-se no movimento Convergência Monárquica (30 de Abril).
Grupo Socialista Revolucionário. Em Novembro,
lança-se o Grupo Socialista Revolucionário, exilado em Genebra,
constituído por António Barreto, Medeiros Ferreira, Eurico de Figueiredo, Ana
Benavente e Manuel de Lucena, que começa a publicar a revista Polémica
(Novembro de 1970).
Comunistas fundam a Intersindical e desencadeiam luta
armada – Começam as chamadas reuniões Intersindicais de carácter
clandestino entre membros das direcções sindicais oposicionistas, dominadas pelo
PCP, mas a maioria deles ainda é oriunda do sindicalismo católico (1 de Outubro
de 1970). Fundada a Intersindical em 5 de Outubro de 1970. Surge a Acção
Revolucionária Armada, estrutura militar do PCP que tem a sua primeira acção
em 26 de Outubro, com uma bomba no navio
Cunene. O dirigente máximo da organização é Jaime Serra (n. 1921). A
segunda acção é de 20 de Novembro contra equipamento militar (no mesmo dia em
que Alpoim Calvão desembarca em Conakri.
SEDES e tecnocratas – Anunciada a criação da SEDES,
Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (25
de Janeiro). Depois de requerimento apresentado em 25 de Fevereiro, o respectivo
funcionamento é autorizado, através da aprovação dos estatutos em 2 de Outubro.
Entretanto, João Salgueiro é demitido de sub-secretário de Estado do planeamento
para poder continuar presidente da associação (30 de Outubro de 1970), onde, se
integram muitos militantes da oposição, o que desagrada a Marcello Caetano que
gostaria de a ver como uma das margens do regime, servindo de compensação aos
ultras.
AIP promove Colóquio de Política Industrial para
discutir as propostas de Rogério Martins sobre a nova política industrial
(Março).
Criado um gabinete de Planeamento no Ministério das
Corporações e da Previdência Social (Decreto nº 8/70, de 6 de Janeiro), que vem
a ser dirigido por Maria de Lurdes Pintasilgo. É o primeiro de uma série
prevista pelo DL 49 194 de 19 de Agosto de 1969, visando a interligação dos
diversos departamentos governamentais para a preparação do Plano de Fomento. No
gabinete de planeamento da agricultura, há-de destacar-se o professor Eugénio de
Castro Caldas.
A Ala Liberal e a revisão da Constituição – Sá
Carneiro e Pinto Balsemão apresentam projecto de nova lei de imprensa, prevendo
o fim da censura prévia (22 de Abril). Em Fevereiro, depois de criticar os
tribunais de família, Francisco Sá Carneiro já tinha anunciado tal intenção.
Nesse mês de Abril propõe também a revisão da Concordata. Miller Guerra
apresenta aviso prévio sobre a questão da Universidade e Francisco Sá
Carneiro propõe a revisão da Concordata. Novamente Sá Carneiro, em discurso de
homenagem a Pinto Leite, defende a criação de um centro reformista
contra a anarquia que tememos e contra a ditadura que não queremos (25
de Novembro).
Inicia-se a discussão sobre a revisão da Constituição de
1933. Marcello Caetano discursa sobre a revisão constitucional. Está desfeita a
lua de mel com a chamada ala liberal (2 de Dezembro). Sá Carneiro
apresenta um projecto de revisão global da Constituição, com Francisco Pinto
Balsemão, Miller Guerra, Mota Amaral, Correia da Cunha, Magalhães Mota, Manuel
Martins da Cruz e Joaquim Pinto Machado (16 de Dezembro).
& Antunes, José Freire (I, 1985): 117;1999: 233; Cruz, Manuel Braga da (1998): 180 ss.; Cunhal, Álvaro (A Revolução Portiuguesa,1975): 164, 174; Ferreira, F. A. Gonçalves: 146 ss.; Pinto, Jaime Nogueira (I,1976): 217 ss., 275; (II): 77 ss.; Sousa, Marcelo Rebelo de (1999): 256, 316, 317; Tomás, Américo (IV): 41, 42, 79, 83, 94, 135.
© José Adelino Maltez. Cópias autorizadas, desde que indicada a origem. Última revisão em: