1969
Da chegada do homem à Lua ao festival de Woodstock
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Cosmopolis
© José Adelino Maltez, História do Presente, 2006
Da chegada do homem à Lua ao festival de Woodstock.
O ano é marcado por esse one small step for a man, one giant leap for
mankind, com um ser humano, Neil Amstrong, a locomover-se na Lua (às 22
horas de 21 de Julho), na sequência da viagem da nave Apollo 11. No
plano da política europeia, dá-se o abandono de De Gaulle e a subida de Willy
Brandt a chanceler da República Federal da Alemanha, num governo de coligação
do SPD com o FDP (21 de Outubro), pouco
depois de, na Suécia, emergir um novo chefe do governo, Olof Palme (9 de
Outubro). O Maio 68 evolui para Festival de Woodstock (15 a 17 de
Agosto), Muamar El-Kadhafi assume o poder na Líbia (31 de Agosto), abolindo a
monarquia, e Alekzandr Soljenitsine é expulso da União Soviética de Escritores
(12 de Novembro). No ano da morte de Karl Jaspers e
quando, em protesto contra a invasão da Checoslováquia, o estudante Jan
Pallach se imola pelo fogo em Praga (16 de Janeiro), começam as grandes
manifestações contra a guerra nos Estados Unidos, Arafat tona-se líder da OLP
e Golda Meir assume a chefia do governo israelita. Em Espanha surge o
escândalo Matesa que afecta a imagem do Opus Dei nas suas
relações com o governo franquista.
A renovação na continuidade, com que
pretende marcar-se a passagem do Estado Novo salazarista para o
almejado Estado Social, atinge os níveis do paradoxo, dado que o mesmo
modelo político, que serviu para nos integrarmos nos espaços supra-estaduais
da OECE/OCDE (desde 1948), da NATO (desde 1949) e da EFTA (desde 1960), das
quais fomos fundadores, e nos permitiu a associação com a CEE (desde 1972), é
marcado pelo estilo dos autoritarismos anticomunistas dos finais da guerra
fria, qualificados como Estado de Segurança Nacional e que tiveram
especial desenvolvimento na América Central e do Sul. Se o regime elimina
alguns sinais exteriores do autoritarismo, eis que continua longe de permitir
uma sociedade aberta e de trilhar as vias do pluralismo e do Estado
de Direito. Nem sequer vigoram as regras da concorrencialidade da economia de mercado, embora prepondere uma economia privada, mas de
pendor plutocrático, onde assumem os sectores básicos da economia alguns
grupos familiares que se haviam instituído pela via do feudalismo financeiro e
do proteccionismo industrial, através de um gentleman's agreement entre
alguns notáveis cavalheiros da indústria e o principado
salazarista.
Os novos sinais dos tempos marcelistas alteram também os
esquemas de comunicação social, pelo abrandamento do regime da censura prévia
e pela autorização de novos órgãos da comunicação social. Intensifica-se,
sobretudo, o processo de desenvolvimento capitalista da economia que, antes da
crise petrolífera, levou àquilo que o próprio Caetano qualificou como um tempo das vacas gordas, isto é, á introdução em Portugal tanto dos modelos
da sociedade de consumo como de certos esquemas do capitalismo popular
pela via do jogo bolsista, acompanhados pelo alargamento do Welfare State,
nomeadamente pela atribuição de pensões de aposentação para os trabalhadores
rurais.
Marxismos imaginários e sociedade imperfeita. No plano
das ideias, no ano em que desapareciam Theodor Adorno e António Sérgio, eis
que Raymond Aron, na ressaca do Mai 68, contra o qual se ergueu,
teoriza as desilusões do progresso e denuncia os marxismos
imaginários (Aron), enquanto Milovan Djilas se resigna com a sociedade
imperfeita (Djilas) e Carl Schmitt (1888-1986) revê e reedita Politische Theologie, com uma primeira edição de 1922. Na mesma onda,
Jules Monnerot, procurando fazer um inventário das mitologias políticas do século, lança Sociologie de la Révolution. Nos Estados Unidos, Theodore Lowi, em The
End of Liberalism, subscreve a tese do fim das ideologias, considerando já não fazerem sentido as
diferenças entre republicanos e democratas, ou entre conservadores
e liberais, dado que tais polarizações apenas são instrumentalizadas pelos
grupos de pressão que as mobilizam, enquanto emerge um novo teórico da new
left, Ralph Miliband, cm The State in Capitalist Society. Já Niklas
Luhman (1927-1998), com Legitimation durch Verfahren, ensaia uma
perspectiva que o há-se consagrar, e o húngaro, exilado em Nova Iorque, Thomas
Molnar edita The Counter Revolution, denuncia os mitos da esquerda,
considerando que a revolução ocorre no momento em que o ancien régime dá mostras de tolerância e começa a fazer concessões, as quais mais não são do
que sinais de debilidade e resultam da fortaleza. Observa também que o
adversário que promove a revolução é, sobretudo, marcado pela république
des lettres. Neste sentido, quase defende, como Mussolini, que qualquer
regime tem o dever de de durar. Merece destaque a publicação, por Hannah
Arendt de Crises of the Republic, três ensaios: A mentira na
política; Desobediência civil e Da Violência,
acrescentando-lhe Reflexões sobre política e revolução. Em Portugal,
quando se publica postumamente a obra de Luís de Almeida Braga, Espada ao
Sol, e o poeta Pedro Homem de Melo (1904-1984) lança Povo que Lavas no
Rio, destaque para o ensaio de Rogério Soares, Direito Público e
Sociedade Técnica, bem como para a comunicação de Vitorino Magalhães
Godinho ao II Congresso Republicano de Aveiro, O Socialismo e o Futuro da
Península.
A primavera política – No plano meramente doméstico, o Portugal político do último quartel do século XX tem o seu marco genético nas eleições para a Assembleia Nacional de 26 de Outubro de 1969, não tanto pelos resultados quanto pela campanha eleitoral e pelo conjunto de pessoas mobilizadas pelas listas da situação e da oposição. Marcello Caetano, tentando imitar o empirismo organizador do salazarismo inicial, trata, então, de alargar a respectiva base de apoio, procurando o colaboracionismo de quem duvida em ser hostil ao regime. Assim, nas listas da União Nacional, integram-se os futuros membros daquilo que será qualificado como ala liberal. Outra novidade está no modelo da oposição que, abandonando o esquema da unidade antifascista e da frente popular, aparece dividida entre a Comissão Democrática Eleitoral (CDE), liderada pelos comunistas, e a Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), apenas concorrente em Lisboa e Braga, afecta ao grupo de amigos de Mário Soares e Salgado Zenha, para além de uma simbólica Comissão Eleitoral Monárquica (CEM), reunindo monárquicos oposicionistas não afectos à Causa Monárquica que, apesar de defenderem a democracia pluralista, advogam uma solução integracionista para a questão ultramarina. Embora os resultados levem as listas do regime à ocupação da totalidade dos lugares postos a sufrágio, alguma coisa muda, porque a campanha, embora curta, é relativamente livre, com largos reflexos na imprensa não afecta ao regime, nomeadamente em A Capital, República e Diário de Lisboa. Emerge também, à esquerda, uma nova geração universitária, nascida dos movimentos estudantis marcados pelo Maio de 68. Mesmo à direita surge uma nova sensibilidade que recebe acolhimento nas páginas do periódico Política, aparecido em 22 de Novembro, sob a direcção de Jaime Nogueira Pinto e onde chegam a colaborar Francisco Lucas Pires e José Miguel Júdice. Esboça-se assim uma linha de direita quase oposicionista, que uns acusam de ultra e de extrema-direita e que os próprios qualificam como via nacional-revolucionária, com o discreto apoio de Franco Nogueira, Adriano Moreira e Francisco Casal Ribeiro, uma coligação negativa de quem queria aparentar estar pela revolução nacional contra a traição marcelista, infestada de tecnocratas, dúbios, cobardes e traidores. A primavera política em breve vai murchar, apesar de, em Fevereiro de 1970, o partido único do regime passar a designar-se Acção Nacional Popular, alguns meses antes do falecimento de Oliveira Salazar (27 de Julho). Entretanto, dá-se o assassinato de Eduardo Mondlane (3 de Fevereiro) e o escritor Luandino Vieira é libertado do Tarrafal (Agosto).
1969
1969
Da chegada do homem à lua ao festival de Woodstock
Chegada do homem à lua
Retirada de de Gaulle
Eleição de Pompidou
Willy Brandt, chanceler alemão
Grécia é expulsa do Conselho da Europa
Olof Palme assume a chefia do governo sueco
Manifestações contra a guerra nos USA
Nixon toma posse
Arafat chefe da OLP
Golda Meir chefe do governo de Israel
Kadhafi toma o poder na Líbia
Conflitos sino-soviéticos na ilha de Damanski, no Ussuri
Não temos objecção de princípio à adesão eventual da Grã-Bretanha e de qualquer outro país à Comunidade, mas pensamos que antes de mais convém que os Seis, entre si, se ponham de acordo quanto às condições desta adesão e às consequências que esta adesão poderá ter sobre o futuro e sobre a própria natureza da Comunidade (Pompidou)
One small step for a man, one giant leap for mankind(Neil Amstrong)
O ano é marcado por esse one small step for a man, one giant leap for mankind, com um ser humano, Neil Amstrong, a locomover-se na Lua (às 22 horas de 21 de Julho), na sequência da viagem da nave Apollo 11. No plano da política europeia, dá-se o abandono de De Gaulle e a subida de Willy Brandt a chanceler da República Federal da Alemanha, num governo de coligação do SPD com o FDP (21 de Outubro), pouco depois de, na Suécia, emergir um novo chefe do governo, Olof Palme (9 de Outubro). O Maio 68 evolui para Festival de Woodstock (15 a 17 de Agosto), Muamar El-Kadhafi assume o poder na Líbia (31 de Agosto), abolindo a monarquia, e Alekzandr Soljenitsine é expulso da União Soviética de Escritores (12 de Novembro). No ano da morte de Karl Jaspers e quando, em protesto contra a invasão da Checoslováquia, o estudante Jan Pallach se imola pelo fogo em Praga (16 de Janeiro), começam as grandes manifestações contra a guerra nos Estados Unidos, Arafat tona-se líder da OLP e Golda Meir assume a chefia do governo israelita. Em Espanha surge o escândalo Matesa que afecta a imagem do Opus Dei nas suas relações com o governo franquista.
Europa: a nação emergente
No plano da integração europeia, uma eventual emergent nation (Deutsch,1969), destaca-se o chamado Plano Barre (12 de Fevereiro de 1969), um memorando da comissão sobre a união económica e monetária, aprovado numa conferência de ministros das finanças (17 de Julho de 1969). Há também duas cimeiras franco-alemãs, onde Kiesinger se reúne sucessivamente com De Gaulle, em Paris (14 de Março de 1969) e com Pompidou, em Bona (9 de Setembro de 1969), decidindo-se, na primeira, a construção de um airbus. Destaque também para a renovação da Convenção de Iaunde (29 de Julho de 1969). No final do ano, encerrava-se o chamado período transitório da CEE, marcado pelo estabelecimento do mercado interno, visando-se, numa segunda fase, o estabelecimento de uma política comercial externa comum, para que se reconhece à Comissão competência para a condução de negociações comerciais com países terceiros (16 de Dezembro de 1969).
Norte de África
Espanha devolve a Marrocos o enclave do Ifni
Derrubada a monarquia na Líbia
Golpe de Estado no Sudão leva ao poder o general Guafar al-Nimeiry que vai instaurar um regime de partido único, a União Socialista Sudanesa
Médio Oriente
Arafat torna-se presidente da OLP
O Iémene passa a ser conhecido como a Cuba do Médio Oriente, depois de serem evacuadas as bases britânicas aí instaladas
Ásia
Na Malásia, o Partido Aliança, conservador, no poder desde 1957, perde as eleições, sucedendo-lhe uma coligação do Partido Islâmico com o Partido da Acção Democrática
África
Golpe de Estado na Somália, comandado por Siad Barre que se assume como socialista, aliando-se à URSS
Militares quenianos que derrubaram NKrumah transferem o poder para um governo civil eleito
A ala esquerdista do exército do Congo-Brazzaville, comandada por Marien N’Gouabi toma o poder, sendo posteriormente criado um partido único: o Partido Congolês do trabalho.
Assassinado o líder da FRELIMO, Eduardo Mondlane
América central
Guerra entre o El Salvador e as Honduras
No Panamá, o general Omar Torrijo assume o poder, emergindo de um triunvirato militar que, no ano anterior, derrubara o presidente Arnulfo Arias
República das Honduras. 112 088 km2. Cerca de seis milhões de habitantes. Entidade separada do Salvador em 1842. Uma das repúblicas das bananas da América Central. Dominada pelo apoio militar norte-americano e pelas multinacionais United Brands e Standard Fruits. Guerra com o Salvador em1969. Serviu de base para os guerrilheiros contras da Nicarágua e para conter a guerrilha do Salvador.
América do Sul
Na Venezuela, é eleito presidente o democrata-cristão Rafael Caldera
Golpe na Bolívia, assumindo o poder o general Juan Jose Torres, com um programa dito anti-imperialista
No Brasil, após a morte do presidente Costa e Silva, sucede-lhe o general Emílio Garrastazú Medici
Na Argentina, surge o golpe dito do el cordobazo
França
Em França, depois da derrota no referendo sobre a regionalização e a reforma do Senado, ocorrido em 27 de Março de 1969, De Gaulle retirou-se do poder (28 de Abril de 1969), sendo interinamente substituído por Alain Poher. O anúncio do referendo foi feito em 2 de Fevereiro de 1969 e, contra as propostas de De Gaulle, ergueram-se os comunistas, os socialistas, os centristas de Lecanuet e as centrais sindicais.
O seu sucessor, Georges Pompidou, foi eleito em 15 de Junho de 1969, com 44,6%, contra 23,3% de Alain Poher, enquanto o comunista Jacques Duclos obteve 21,27%. O novo governo, presidido por Chaban-Delmas, entrou em funcionamento em 21 de Junho de 1969, até Julho de 1972.
Também a SFIO, em 13 de Julho de 1969, transforma-se em Partido Socialista, assumindo as funções de secretário-geral Alain Savary, partidário de uma união da esquerda. Finalmente, a Grécia era expulsa do Conselho da Europa (Dezembro).
Alemanha
Importantes alterações de liderança política também vão ocorrer na República Federal da Alemanha. Em 05 de Março de 1969, com os votos do SPD e do FDP era eleito um novo Presidente da República Federal da Alemanha, Gustav Heinemann. Depois, nas eleições de 28 de Setembro de 1969, apesar dos democratas-cristãos terem conservado posições (46,1%), deu-se uma subida do SPD (42,7%) e uma descida do FDP (5,8%). O que vem permitir a constituição de uma nova coligação governamental entre o SPD e o FDP, tendo como chanceler Willy Brandt, cujo governo toma posse em 21 de Outubro de 1969.
A principal novidade política do novo governo, conforme a declaração governamental de 28 de Outubro de 1969, é a Ostpolitik, com oferta de negociações à RDA, com base no princípio de dois Estados, uma Nação. Em 24 de Outubro de 1969 já se dav uma revalorização do marco, em 9,29%.
Brandt, Willy (1913-1992) Social-democrata alemão. Pseudónimo assumido durante a resistência por Herbert Karl Frahm. Burgomestre de Berlim Ocidental desde 1957, candidadato a chanceler pelo SPD contra Adenauer, em Setembro de 1961, e contra Erhard, em1965. Presidente do SPD desde 1964. Em Dezembro de 1966, no governo da grande coligação, é vice-chanceler e ministro dos negócios estrangeiros, iniciando a chamada Ostpolitik. Chanceler da RFA de 21 de Outubro de 1969 a 6 de Maio de 1974, numa coligação SPD-FDP. Prémio Nobel da Paz em1971. Apesar de ter abandonado o poder poucos dias depois do 25 de Abril de 1974 tem grande influência inspiradora em alguns dos líderes políticos da jovem democracia portuguesa, principalmente em Mário Soares.
© José Adelino Maltez, História do Presente (2006)
© José Adelino Maltez. Cópias autorizadas, desde que indicada a origem. Última revisão em: