NA RAIZ DO MAIS ALÉM

Somos ainda quem fomos
Portugal que partiu
Ao mar demos quem somos
No mais além do ocidente
Peregrinar raízes
É preciso Portugal
As incansadas viagens da minha terra
Deste lugar que não tem lugar
Na raiz do meu país
Sempre um lugar onde
À procura de quem somos
Retornados, revoltados
O dia a cair dentro de mim
II
SOBRE A PROCURA DA PALAVRA

Entreversos, entrelinhas
Escrever quem sou
Este prazer de escrever
A semente do poema
O encanto do poema por fazer
Palavra a palavra me aprofundo

III
ENTRE QUATRO PAREDES

Árvore replantada
Calustrofobia
Sítios que apetecem sempre
Partido e repartido
Memórias de barca bela
Biografia
Ser como todos os outros
Sempre a dor de não sermos
Deixem que deixe de ser
Hino à glória de ter medo
Uma rosa cor de rosa
Não fazer nada
Domingo à tarde
Ser de novo menino
Do Porto que me deu cidade
No baile do clube
O prazer de fumarmos um cigarro
Ser do contra

IV
MEMÓRIA DE AMOR AUSENTE

A praia primeira dos meus dias
Neste remoçar do tempo
Beber de um gole
Um destino por cumprir
Borboleta, voar
Quem me dera moço de novo
Partir, sair daqui
Em teu corpo vegetal profundo
Se teus olhos me dessem

V
CANTOS DO ALÉM

A utopia tem de ser um dia
Nunca sou quem estou
Peregrinar a memória
Tempo de ter tempo
Tudo me passa além
Amanhã há-de vir sol
Na teia do poema
Navegante de saudade
Ao poema dou quem sou
Sentinela de mim mesmo
Esta luz a mais, meridional
Pressa de chegar depressa
Andorinha te dou nome
De onde vem o sol?
Vai em frente, segue viagem
Ir ao fundo de quem sou
Este mais além que pensa
Nos olhos de minha filha
Ciclo das estações

MALHAS QUE A GUERRA TECE

Guiné verde vermelha
Missão cumprida
Nesta guerra guerrilheira
Alguém que sepultaram na distância


ESCRITOS INÚTEIS

Justificação. Em quinze declarações prévias
Estar aqui e ser agora

Estar aqui (p.9)
As palavras proibidas
No silêncio de quem sou
Os arados do poema (p.12)
O poema é sempre grito por dar

Regressam ao Algarve
Na rudeza crua (56.2)
Não sei meu amor se é o medo (56.2)
Dai-me, senhor do tempo (56)
Já vivi o necessário para saber
Sem versos que nos despertem (84.2)
Os anos passaram (46.2)

No silêncio de quem sou
Os arados do poema
Juntar palavras e sons
Chamar deus ao que me cerca
Esta distância que apetece
Escrever todos os dias
Quando me encontro, logo me perco
O magma pétreo das palavras
Pensar na morte sem pensar morrer
Depois do amor
Este beira mar que somos
Ir de porto em porto
Em teu colo de bonança
Quanto mais longe, mais longe ainda
Nos beirais de quem sou
Corpos livres de bruma
Meu corpo todo
Vencer os corpos, viver o amor
A palavra exacta
Partido e repartido
O poema é vento que desperta
Deixa que os outros se percam no bulício
A música imprevista de um verso novo
Dia a dia, poemizar meu ser
Pedras palavras vou lançando
Voando além de mim dentro de mim
Viver é nascer de novo
Quando a morte vier
Pelos trilhos do silêncio
Uma bússola secreta
Andorinha peregrina
Ausente, meu amor
Este sangue adolescente
A cidade nos deu saudade
Peregrinar teu corpo
As longas praias do poente
No silêncio do pinhal
Já vivi o necessário para saber
Vago remanso dos meus dias
Não filosofemos as árvores
Arca dos sonhos passados
O dia da nossa despedida
Quando o tempo for de novo nosso tempo
Amanhã há-de ser mar
Retomar o sentido dos gestos
Viajar pelos meandros
Lá longe, para além da serra
Procurar um lugar onde
Domando a caneta
No cimo da serra
Ermos, lentos montes
A íntima fronteira
No dia a dia dos dias que passam
Um pedaço de silêncio onde me guarde
Apetecia ter um cão
Apetece falar com minhas filhas
Quando as ideias correm mais velozes
Há uma estátua quioca
Aqui na praia do Lizandro
Minha cadela podenga
Tudo me dá lembrança
Quando o vento guarda
Olhar o mar cá de cima
Aqui onde quem sou me esquece
A força do silêncio
Memórias muito prosaicas